Num dia chuvoso de setembro, chegando à rodoviária de Jundiaí, já na saída, um "maluco",
carioca, veio gritando:
_AÍ, patrão, cinco
"real" pra deixar o seu "boot" bem maneiro!...
Eu: _Puxa, amigo!...
Não sou patrão de nada... Mas posso ser seu amigo - tirei dois reais do bolso e
entreguei para ele; e complementei:
_Não quero que você
engraxe os meus sapatos, mas toma dois reais para te socorrer um pouquinho.
Ele:
_"Mermão", tu é do bem... Agora é que eu quero engraxar seus sapatos!
Eu: _Tudo bem, então! -
e botei o pé em cima do caixote dele; na sequência perguntei:
_Qual o teu nome?
_É Harley",
respondeu ele, no que eu emendei:
_Ah, então você nasceu
em 1985!
Ele (Harley):
_"Mermãooo!!!" Tu é macumbeiro, é?!
Eu: _E aposto que você
nasceu em junho!
Harley: _Caraca,
"mermão"!; não pode ser, como é que se explica essa quizumba?!
Eu: _O cometa
"Harley" passou por aqui - Terra - em maio de 1985... O que mais tem
é gente nascida em junho com o mesmo nome, ora!
Harley (gargalhando
enquanto lustrava os meus sapatos): _"Mermão", tu devia ser
cientista... Vai por mim...
Retirei cinco reais do
bolso e entreguei ao Harley (se a "enchida de bola" dele foi
estratégia eu não sei; só sei que foi sincera e deu certo). E mais que de
repente chegou no meio de tudo isso a Jaqueline me pedindo um cigarro. Eu dei.
E perguntei se ela tinha isqueiro. Ela respondeu:
_Amigo, o
"isssquêro", aquele filho da puta, morreu na cadeia; deve de tá no
inferno essas horas!
Eu logo compreendi a
mensagem e disse:
_Hum...
"Isqueiro" deve ter sido algum amigo teu que pisou na sua bola,
então!
Ela: _Que nada, aquele
filho duma vaca tirou meu "cabaço" à forca e ainda me perdeu na na
vida... Morreu de muita praga que joguei - e caiu na gargalhada ao mesmo tempo
em que se pôs a sacolejar o corpo e rodopiar as muitas trancinhas do cabelo.
Ela cantou a música da "perereca suicida" para acompanhar.
Jaqueline: _Olha, moço,
eu tenho vinte anos e tô perdida faz mais de cinco... E agora eu tenho de andar
de um lado pro outro pedindo migalhas...
(...)
Dei cinco reais pra
ela, que, na sequência, pulou no meu pescoço e meu roubou um beijo.
Eu: _Você é uma
princesa!
Ela: _Sou uma princesa
fedorenta... Não tomo banho faz três dias... Mas agora vou tomar - e voltou a
sacolejar o corpo, rodopiar as trancinhas e cantarolar a música da tal
"perereca suicida".
Nisso, apareceu outro
cara, o Sindevan; disse que é cabeleireiro de "mão-cheia" e que
ninguém dá emprego pra ele por que é um morador de rua. Jaqueline - a que se
perdeu -, para quebrar a tristeza do moço, disse:
-Vamos tirar fotos...
Isso mesmo: fotos; tira fotos da gente, Éd (eu já tinha dito o meu nome).
Então teve foto de
"selfie" comigo, a Jaqueline e o Harley; Jaqueline (com os meus
óculos de sol) comigo; e de mim com Sindevan.
Enfim meu sobrinho
chegou para me resgatar. A Jaqueline me agarrou, me deu outro beijo e disse:
_Vai na fé, irmão... Tu
nunca vai ficar sem amigos!
Eu soprei um beijo pra
ela de dentro do carro.
Gosto
muito de tudo isso.
Éd Brambilla. CRÔNICA. AS INSERÇÕES DO MUNDO. 07.09.2015.
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