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segunda-feira, 21 de setembro de 2015

AS INSERÇÕES DO MUNDO

Num dia chuvoso de setembro, chegando à rodoviária de Jundiaí, já na saída, um "maluco", carioca, veio gritando:
_AÍ, patrão, cinco "real" pra deixar o seu "boot" bem maneiro!...
Eu: _Puxa, amigo!... Não sou patrão de nada... Mas posso ser seu amigo - tirei dois reais do bolso e entreguei para ele; e complementei:
_Não quero que você engraxe os meus sapatos, mas toma dois reais para te socorrer um pouquinho.
Ele: _"Mermão", tu é do bem... Agora é que eu quero engraxar seus sapatos!
Eu: _Tudo bem, então! - e botei o pé em cima do caixote dele; na sequência perguntei:
_Qual o teu nome?
_É Harley", respondeu ele, no que eu emendei:
_Ah, então você nasceu em 1985!
Ele (Harley): _"Mermãooo!!!" Tu é macumbeiro, é?!
Eu: _E aposto que você nasceu em junho!
Harley: _Caraca, "mermão"!; não pode ser, como é que se explica essa quizumba?!
Eu: _O cometa "Harley" passou por aqui - Terra - em maio de 1985... O que mais tem é gente nascida em junho com o mesmo nome, ora!
Harley (gargalhando enquanto lustrava os meus sapatos): _"Mermão", tu devia ser cientista... Vai por mim...
Retirei cinco reais do bolso e entreguei ao Harley (se a "enchida de bola" dele foi estratégia eu não sei; só sei que foi sincera e deu certo). E mais que de repente chegou no meio de tudo isso a Jaqueline me pedindo um cigarro. Eu dei. E perguntei se ela tinha isqueiro. Ela respondeu:
_Amigo, o "isssquêro", aquele filho da puta, morreu na cadeia; deve de tá no inferno essas horas!
Eu logo compreendi a mensagem e disse:
_Hum... "Isqueiro" deve ter sido algum amigo teu que pisou na sua bola, então!
Ela: _Que nada, aquele filho duma vaca tirou meu "cabaço" à forca e ainda me perdeu na na vida... Morreu de muita praga que joguei - e caiu na gargalhada ao mesmo tempo em que se pôs a sacolejar o corpo e rodopiar as muitas trancinhas do cabelo. Ela cantou a música da "perereca suicida" para acompanhar.
Jaqueline: _Olha, moço, eu tenho vinte anos e tô perdida faz mais de cinco... E agora eu tenho de andar de um lado pro outro pedindo migalhas...
(...)
Dei cinco reais pra ela, que, na sequência, pulou no meu pescoço e meu roubou um beijo.
Eu: _Você é uma princesa!
Ela: _Sou uma princesa fedorenta... Não tomo banho faz três dias... Mas agora vou tomar - e voltou a sacolejar o corpo, rodopiar as trancinhas e cantarolar a música da tal "perereca suicida".
Nisso, apareceu outro cara, o Sindevan; disse que é cabeleireiro de "mão-cheia" e que ninguém dá emprego pra ele por que é um morador de rua. Jaqueline - a que se perdeu -, para quebrar a tristeza do moço, disse:
-Vamos tirar fotos... Isso mesmo: fotos; tira fotos da gente, Éd (eu já tinha dito o meu nome).
Então teve foto de "selfie" comigo, a Jaqueline e o Harley; Jaqueline (com os meus óculos de sol) comigo; e de mim com Sindevan.
Enfim meu sobrinho chegou para me resgatar. A Jaqueline me agarrou, me deu outro beijo e disse:
_Vai na fé, irmão... Tu nunca vai ficar sem amigos!
Eu soprei um beijo pra ela de dentro do carro.
Gosto muito de tudo isso.




Éd Brambilla. CRÔNICA. AS INSERÇÕES DO MUNDO. 07.09.2015.

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