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quinta-feira, 16 de maio de 2013

O lustre

1946
O lustre


Em O lustre, trafega-se, a maior parte do tempo, pelo mundo interior da protagonista, Virgínia, desde sua infância em um remoto vilarejo do interior até a vida adulta numa cidade grande e solitária. Clarice não permite ao leitor ter completo acesso ao que se passa do lado de fora — a não ser na crua e, talvez, surpreendente cena final. No universo subjetivo da escritora, a única clareza está nos sentimentos. Virgínia ama seu irmão, Daniel, sua alma gêmea, seu senhor. Virgínia ama seu amante, Vicente, a quem conhece tão pouco... A história é contada como num jogo de luzes e sombras, cada parágrafo permitindo apenas antever, de relance, a força sufocante de tanto amor.
“Como gostava de seu quarto; sentia seu cheiro de túnel quando se aproximava e estava bem, bem dentro dele enquanto entrava. Notava que antes de sair esquecera de abrir as janelas e um cheiro dela própria exalava-se de cada canto – como se voltando da rua se encontrasse em casa esperando. Abria as janelas e um ar frio de céu e de água fresca rangia límpido pelas coisas renovando-as. Hesitava um pouco tentando ligar-se às suas coisas, ver um sinal nos objetos, mas sentia logo de início que seria inútil, que ela estava liberta e de contornos calmos. Debruçava-se um instante à janela, o rosto oferecido à noite com ânsia e delícia, os olhos entrecerrados: o mundo noturno, frio, perfumado e tranqüilo era feito de suas sensações fracas e desorganizadas.”

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