O hábito de levar Lilica, a yorkshire, para passear, tem me rendido
curiosas reflexões sociais de ordem canina. Moro em um condomínio com diversas
torres, e os caninos da raça yorkshire são os campeões em quantidade, muito
provavelmente pelo fato de serem doceis e pequeninos. Dócil? Acho que esta
qualidade não se aplica muito a Lilica. Hoje, em mais um passeio vespertino,
ela quase arrancou o dedo de uma senhora que passeava com um basset. É que ela
está em final de cio. Não, não a senhora, a Lilica minha gente. O nome da
desavisada? Não sei. Mas sei o nome do basset: Thor. Também houve um contato
com o Bud, este um york também. E digo mais: Lilica gostou do Bud, pois o
encontro durou mais ou menos uns dez minutos. Até tentei desviar o caminho para
não ter que responder às costumeiras perguntas lançadas pelos donos. Mas
acredito que seria uma afronta dois donos de cachorros ficarem feito postes um
em frente ao outro, enquanto seus peludos se refestelam. Há que ter um mínimo
de diálogo. A fuga fora impossível, a york doida me arrastou pela calçada ao
encontro do moçoilo. Bud ainda é um meninão de um ano e sete meses. Lilica, com
seus quase cinco anos, deve ser pedófila, acredito eu. Da outra ponta do
encontro, vinha o dono do Bud, também de arrasto. E como naqueles encontros de
novela que se passam na praia, os yorks corriam um para o outro, com olhos
brilhantes, respiração compassada e latidos de amor. O nome do dono? Não faço a
menor ideia, mas sei que ele mora na torre Violeta. Depois das juras de amor
com Bud, mais um encontro, dessa vez com Julie, outra york. Lilica mordeu a
orelha dela. A dona da cadelinha a abraçou e, exasperada, a consolava: "Não foi nada bebê, não foi nada; mamãe está aqui!" - e a mim, que fiquei feito um
candelabro, só restou-me dizer: "Perdão senhora, é que Lilica tem
uma certa hostilidade por meninas." A mulher ignorou completamente meu
pedido de perdão, olhou para Lilica e proferiu: "Malvada, você é uma
menina malvada!". As duas, mulher e cadela, viraram cara e focinho e foram
embora muito zangadas. Olhei para Lilica, que fitava-me com sua cara
costumeira: dentes inferiores levemente projetados para fora, olhos de
japonesa, uma orelha levantada e a outra em pé, e uma 'xuxinha' de
margarida no topo da cabeça. "Acho que elas não gostaram de você Lilica; é melhor voltarmos para casa" - conclui. Preciso descobrir urgente um
horário menos movimentado, com menos cachorros e donos e encontros e mordidas.
Éd Brambilla. CRÔNICA. Lilica e a Sociabilidade. 01/02/2013.
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