Ah, o povo cearense! Conheci F., a Juju, uma portuguesa espetacular, dona
do restaurante Juju e moradora da praia de Guajiru, uma deliciosa aldeia que
pertence ao município de Trairi. Conhecemo-nos em um barzinho local, e foi tudo
muito natural. Estava chovendo e nos posicionamos na larga janela de madeira do
bar. Eu com meu cigarro e ela com seu cigarro e seu uísque. A cena fez com que
ela se lembrasse da história de Dona Carochinha, que ficava na janela a esperar
um noivo. De repente ela se pôs a rir e contou-me a história. Eu, que não
dispenso uma boa conversa, desembestei a falar, e contei a ela que a história
dela, nos contos de fadas brasileiros, era exatamente a de Dona Baratinha, que
tem fitinha no cabelo e dinheirinho na caixinha, os insetos é que são outros. E
foi aí que ela tornou-se Dona Carochinha, a Baratinha, e eu o Sr. João Ratão, o
noivo. E daí só chamamo-nos um ao outro por noivo e noiva. F. está no Ceará tem
quatorze anos, tomada pelas belezas geográficas e culturais das redondezas.
Casada com um holandês, e, sendo a palavra jumento coisa extensa demais para a
compreensão do esposo, abreviou-a para ‘juju’, para um melhor entendimento. E
no final das contas acabou que o pseudônimo do bicho tornou-se o seu também, e
do restaurante, ora pois. Cativei e fui cativado, portanto, agora tenho
compromissos sérios de amizade nessa aldeia de encantos. Ah, o povo cearense!
Até estas linhas pouco sei do povo cearense. Mas agora sei de uma suíça, M.,
que também se encantou pelo Ceará e vive na Aldeia de Flecheiras, outro lugar
convidativo de Trairi, e que fala três idiomas intercalados, o que deixa a
cabeça de qualquer interlocutor despreparado um pouco zonza. Ela conversava em
português comigo, ralhava com a filha pequena em italiano e chamava a atenção do
marido para com a pequena em francês, o que me levou a acreditar que somente
ela dominava as três línguas. Eu olhava para um e para outro, e não pensem que
fingi entendimento, naturalmente perguntei-lhe: “Apenas você entende os dois?
Pai e filha não se entendem?” Ela achou graça e respondeu-me: “Os três entendem
tudo, mas cada qual tem seu idioma preferido”. Ah, o povo cearense! Ah, sim,
preciso falar do Jordan, um americano educadíssimo que conheci em Flecheiras
também. Com esse houve bastante diálogo – na verdade mais confusão que diálogo.
Ele esforçava-se para falar o Português e eu o Inglês. E um corrigia o outro, e
assim fomos aprendendo. “Eu estar amando o Ceára” – dizia ele (com acento no a
do meio mesmo, para que fique clara sua pronúncia), no que eu respondia: “Oh,
me too”. E ele respondia novamente: “Oh, sim, MUITO!” E eu tentava
explicar—lhe: “Oh, não, eu quis dizer que eu TAMBÉM.” E ele: “Oh, Yes, AMÉM! Eu
conhecer este gíria”. “Gíria? Que americano mais atrapalhado esse!” –
considerei. “Melhor deixar as coisas assim” - conclui. Ah, o povo cearense!
Lembrei-me de uma querida prima que é poliglota. Ela ficaria completamente à
vontade em terras cearenses. Não que eu não tenha ficado, fiquei até demais. E
com a graça das gafes, que são as pérolas da comunicação entre idiomas
heterogêneos.
Éd Brambilla. AH, O POVO CEARENSE! Crônica. 15 de Fevereiro de 2013.
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