ALMa RaBiScAdA

sábado, 13 de junho de 2015

SOBRE MADAME BOVARY, DE GUSTAVE FLAUBERT

Ah, Gustave Flaubert, sua narrativa é sublime; envereda-se na alma e não deixa brechas para a sincronizada e necessária pausa para uma respiração; leio, mesmo sem fôlego, as sutis nuances que descortinam segredos de entranhas d'Alma, não somente da alma de Madame Bovary, mas da minha também. E, ah! Tenho certeza absoluta de que Clarice Lispector, assim como estou fazendo, o degustaria com a alma. É muita semelhança, meu querido! Você que está me lendo agora, mergulhe nos trechos a seguir, e, depois da última linha, sairá correndo até à livraria mais próxima para adquirir um exemplar de MADAME BOVARY, caso ainda não tenha lido, obviamente:
(...) Quando se confessava, inventava pecadinhos só para ficar mais tempo ajoelhada à sombra, mãos unidas, rosto encostado na grade, ouvindo o murmurar do padre. As comparações de noivo, esposo, amante celeste e marido eterno que se repetiam nos sermões provocam-lhe no fundo da alma doçuras inesperadas. (...) p. 43.
(...) Aquele espírito positivo em meio a seus entusiasmos, que amara a igreja pelas flores, a música pelas letras de romanças e a literatura pelas excitações passionais, insurgia-se diante dos mistérios da fé, do mesmo modo que se irritava contra a disciplina, que era algo antipático à sua constituição. (...) p. 47.
(...) Às três horas da manhã, começou o cotilhão. Emma não sabia valsar. Todo mundo valsava, inclusive a senhorita d'Andervilliers e a marquesa; ficaram apenas os hóspedes do castelo, uma dúzia de pessoas mais ou menos.
Nesse momento, uns dos que valsavam, chamado coloquialmente de visconde, e cujo colete, bastante aberto, parecia esculpido sobre o peito, veio pela segunda vez convidar a Sra. Bovary para dançar, assegurando-lhe que a guiaria e que ela se sairia bem.
Começaram lentamente, depois aceleraram. Rodopiavam: tudo girava em torno deles, as lâmpadas, os móveis, os lambris e a pista, como se fosse um disco sobre um eixo. Ao passar perto das portas, a cauda do vestido de Emma roçava-se nas calças de seu par; as pernas de um e de outro se cruzavam; ele baixava seus olhos para ela, e ela levantava os seus para ele; quando um torpor tomou conta dela, parou. Recomeçaram; e, com um movimento mais rápido, o visconde, arrastando-a escondeu-se com ela no fundo da galeria, onde, ofegante, ela quase caiu, apoiando por um instante a cabeça contra o peito dele. Depois, rodopiando ainda, mas com mais suavidade, ele reconduziu-a ao seu lugar; ela voltou-se para a parede e pôs a mão diante dos olhos. (...) pg. 60.
(...) Quanto a Emma, ela não se interrogava para saber se o amava. O amor, conforme acreditava, devia chegar de repente, com grandes tumultos e fulgurações - furacão dos céus que desaba sobre a vida, transtorna-a, arranca as vontades como folhas e arrasta o coração inteiro para o abismo. (...) p. 103.
(...) Estavam no começo de abril, quando as primaveras desabrocham; um vento morno passava sobre os canteiros trabalhados, e os jardins, como mulheres, pareciam preparar-se para as festas de verão. Através dos barrotes do caramanchão e por toda volta, via-se o rio na pradaria, que desenhava na relva sinuosidades vagabundas. O vapor da noite passava por entre os álamos sem folhas, esbatendo seus contornos com uma tinta violeta, mais pálida e mais transparentes do que uma gaze sutil pousada em seus galhos. (...) p. 111.
(...) -Essa conspiração do mundo não a revolta? Existe um só sentimento que ele não condena? Os instintos mais nobres, as simpatias mais puras são perseguidas, caluniadas, e, se duas pobres almas, enfim, encontram-se, tudo é organizado para que não possam se unir. Elas, no entanto, tentarão, baterão suas asas, se chamarão, oh! Não importa, mais cedo ou mais tarde, em seis meses, dez anos, elas se reunirão, se amarão, pois a fatalidade o exige, porque nasceram uma para a outra. (...) p. 145.


FLAUBERT; Gustave. Madame Bovary. Editora: L&PM POCKET, vol. 328, edição de setembro de 2013.


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