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terça-feira, 28 de dezembro de 2010

S o L i D a R i E d A d E

Projetar-se rumo ao passado pode ser uma experiência bastante positiva se a mesma trouxer à tona respostas para possíveis transtornos do tempo presente. O regresso ao lúdico, em especial, nem sempre traz recordações experimentais de alegria, mas no que tange a crescimento humano, a sedimentação de tais experiências pode trazer uma grande edificação pessoal.

Em uma manhã de primavera, quando os jardins trazem para a vida a beleza e a magia da Mãe Natureza em formas, cores e cheiros variados, Eduardo acordara com uma sensação nostálgica. Sua mente martelava-lhe a cabeça e o remetia ao ano de mil novecentos e setenta e nove. Era inverno. Em suas lembranças estavam Dona Veranice - a primeira professora -, os principais colegas de classe e, principalmente, a alegria que sentia ao tomar posse, mais uma vez, de sua carteira de estudo. Apesar da alegria, Eduardo estranhou os olhares dos demais focados em sua direção. Dona Veranice fora ao seu encontro e o abraçou com ternura. Em seguida, agasalhou-o com seu casaco de lã marrom. Eduardo conseguia sentir o calor e o doce perfume que vinha do casaco.

Ele estudava no período da manhã, em uma época em que o inverno era extremamente rigoroso. O frio cortava-lhe a pele feito navalha. Era um tempo difícil em que roupa de frio e calçado não passava de um desejo impossível. Mas Eduardo sentia-se feliz e agradecia por contar com uma grande força de vontade para crescer e evoluir em conhecimento. Tinha sede de aprendizado.

Nesse dia, Eduardo fora para a escola apenas de calção e camiseta. Estava descalço, com os pés sujos e machucados devido ao caminho de pedras e trilhas em meio a matagais, com todas as suas armadilhas. Seu pé esquerdo sangrava devido a um corte provocado por algum caco de vidro. O prazer de estar em sala de aula suplantava a dor e eventuais discriminações por parte de alguns alunos. Mas a manifestação de maior peso fora exatamente o contrário: SOLIDARIEDADE. No dia seguinte, foi surpreendido com tantos pares de calçados e agasalhos trazidos por diversos alunos.

Esta passagem ficou marcada na personalidade de Eduardo de uma maneira tão intrínseca que, mesmo depois de tanto tempo, sente dificuldade em andar com os pés desprotegidos. Tem necessidade de que os mesmos estejam ao menos calçados com meias. E foi desta maneira que desviou o olhar para os pés e percebeu que estava caminhando no jardim de sua casa com os pés trajando meias de lã vermelhas. Sentou-se em um banco de madeira, olhou para o céu com um sorriso no rosto e agradeceu a Deus por ter chegado até ali.


Éd Brambilla. CONTO. SOLIDARIEDADE. 2007.

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