A lógica da vida: encerra-se um clico,
inicia-se outro, e este último vem feito o desabrochar de uma rosa, revelando
nova fragrância e tingindo com cores novas os dias cinzentos. E o cinza da
vida, já velho e desbotado, pede passagem para retirar-se com a mesma dignidade
do amor. E a dignidade do amor está na verdade, o contraponto da mentira, assim
como entre amor e ódio. Foi de novidade que tive pressa. O novo refaz o que
está quase morto, e é neste 'quase de vida' que a centelha fora cautelosamente
poupada. O que ficou para trás não era importante, não encontrou verdade que
lhe atestasse porque não era essencial. E a essência está contida na vida, o
ponto de partida entre começos e recomeços. Neste contexto de perdas, encontrei
um caminho em linha reta após uma curva longa e sinuosa. A curva que escondia o
perigo da serpente. Mas a serpente contém o veneno que se transforma em
antídoto. A serpente só é contraditória por natureza, não tem vontade própria.
E a minha vontade própria era romper o que me prendia. Só estive preso porque a
fraqueza me pôs em sono profundo. Foi deste sono que precisei acordar. Mas foi
aos poucos, senão não aguentaria. Por muito tempo senti sono leve, parecido com
o cheiro nauseante do cravo branco. Eu, que sempre preferi a simplicidade da
margarida em sua ausência de mistério. Se o amor contido em mim resignou-se,
foi por pura falta de ambição. É preciso ambicionar para amar. Mas meu amor
mergulhou rumo ao mais profundo de mim. E isto me tornou um refém, fui refém da
incapacidade de amar. Mas bem sei o que isto me custou: dor ressentida, náusea
de náufrago. Foi de um relacionamento naufragado que travei uma luta unilateral
pela sobrevivência, e a praia transformou-se em meta. Mas também era preciso
ambicioná-la. Precisei aprender muito sobre ambição, mas não a ambição do
chacal, e sim a ambição que faz crescer, porque me sentia de uma pequenez
angustiante, como uma criança que ainda não aprendeu a ler, e a leitura promove
a independência. É com uma tal liberdade de historiador que, a cada dia,
escrevo um novo acontecimento para a história de minha vida. Isto sempre requer
a remoção de personagens e fatos amarelados para que o rubro da cor sustente o
pano de fundo de uma história que ainda encontra-se em estado de lindo
botão-de-flor. É uma história que só pode ser contada no tempo presente, não
quero pensar no depois. O depois é matéria-prima da não-matéria, é coisa de
adivinhação. Tenho receio de adivinhar. A surpresa me arrebata porque arranca
de mim a reação instantânea. E a falta de reação me conduz à aceitação
imediata. Contar uma história é tarefa árdua. Somente será digna se houver
edificação. Hoje edifico cada passo de minha existência. Perdi tempo demais com
o efêmero. Agora tenho que trabalhar em dobro. E é em dobro tudo o que busco
daqui em diante: o dobro do amor; o dobro da alegria; mas também o dobro da
tristeza e do 'desamor', porque a vida é peso na balança. É de uma dualidade
velada. A vida acontece à medida que precisamos de novos acontecimentos. Quando
não precisamos ou não buscamos algo diferente, acontece à revelia, é um risco
humano. Vivo em constante aprendizado acerca do amor e do desamor, da busca
da autoestima, do conhecimento cada vez mais apurado em relação ao outro e,
sobretudo, sobre o paradigma de um relacionamento. Fecho com o poema abaixo
esta busca incessante que me conduz ao melhor de mim:
FEITO DOR
É uma dor que pesa feito saudade
É uma saudade que dói feito um adeus
É um adeus que arde feito lembrança
É uma lembrança que me arremessa ao fogo
É um fogo que me consome e me desfaz
É uma pressa de recomeçar de uma cinza apenas
É uma cinza a projetar o que me espera
É uma esperança de matéria virgem
E se eu não aceitar, morre antes de NASCER
E se eu aceitar, me arrisco TODO
E se eu não me arriscar, Morro de Novo!
Éd Brambilla. CONTO. O AMOR E O DESAMOR: UMA RECICLAGEM. 2005.
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