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terça-feira, 20 de dezembro de 2016

OS INSTINTOS DE UMA FÊMEA E AS QUATRO ESTAÇÕES

RECOMENDAÇÃO EXPRESSA: este texto é para ser lido com os instintos; abstenha-se dos filtros ideológicos. Boa leitura! 

PRIMAVERA:

De repente a menina se olhou no espelho: sentiu-se tomada de uma mulherice inesperada. Encheu-se de reminiscências; ela entendeu que era uma contemplação diferente das anteriores: havia um brilho lânguido no olhar; um cheiro vago de calidez escapou-lhe pelos poros; e o ar morno da primavera era como uma promessa de desabrochamento sutil. A menina então se deu conta: “Estou pronta!” – pensou. É a convocação de sua natureza para o ato de renovação da vida; o verdadeiro exercício do amor incondicional. E a mulherzinha passou então a cantarolar suas querências. Seu olhar, agora, imbuído de um interesse perene, vasculhava os arredores à procura da metade que lhe fora reservada. O tempo passou e ela sentiu a temperatura da pele mais vibrante; estava mais sucumbida à entrega. Entrou o verão.

VERÃO:

A mulherzinha tornou-se mulher, cheia de uma plumagem nova e bela. Ela passou a sentir os sobressaltos dos desejos a sacudir-lhes as entranhas. É tempo de amar, de copular, de renovar. Nunca os verbos foram tão urgentes na existência da nova mulher – também ela agora toda urgente. E veio então a entrega. Foi assim: em uma noite de atmosfera abafada, de um calor que não se apaga com um refresco de água gelada; o corpo nu sobre um lençol úmido de secreções libidinosas; concentrada em si mesma, mole, receptiva, ardente. Um gemido ecoou grave e entrecortado. Sentiu-se completa. Deixou-se largada por um tempo; um sorriso anacrônico se fez em seu rosto. Adormeceu nos braços de seu homem. E novamente o tempo passou e a mulher sentiu um vento fresco a soprar-lhe as têmporas. Era o outono se aproximando.

OUTONO:

A mulher, copulada, sentia um desassossego na alma e não entendia seus novos desejos, tão esquisitos e ao mesmo tempo tão cheios de promessas de sabores nunca antes experimentados. Acordou com vontade de comer perninhas de rã com doce de leite. Estava fecundada. Passou a mão pelo ventre e balbuciou uma prece: “Oh, Deus Misericordioso! Benditos sejam os teus ouvidos e benditas sejam as tuas mãos santas! O milagre agora está em mim, na pureza do meu ventre sagrado. Amém!” E adormeceu - com as mãos em concha no abdômen - estirada em uma rede, grávida de um fruto novo. Teria agora um amor para todo o sempre. O tempo correu. A mulher, em seu sagrado lar, sentada ao pé da pequena escada que dá para o jardim, perdia-se em lembranças doces. Um frio gelado arrepiou-lhes os pelos dos braços. Chegou o inverno.

INVERNO:

A velha mulher, agora, acariciava delicadamente a pele do rosto, e, através de sua beleza madura, recordava-se dum tempo florido, seguido de um tempo que ardia em chamas nas entranhas de sua alma. Pensou na chegada do filho - num outono remoto - e o quanto deleitara-se com as suas necessidades de mãe. Pensava também nos netos. O seu abençoado fruto também produzira outros novos frutos. Sentia-se feliz e realizada. Olhou para o céu e viu poucas estrelas – já era noitinha. Fixou os olhos na estrela mais brilhante e agradeceu ao Deus a vida serena que até ali tivera. Pouco tempo depois, sentiu o corpo desfalecer sobre o assoalho de madeira da varanda. Seus olhos semicerraram-se instintivamente: uma linda adivinhação de partida. Um suspiro curto e profundo fora a medida certa para a suave separação entre corpo e espírito da abençoada mamãezinha. Partiu: sem dor; sem mágoas. Levou apenas a essência que lhe era própria, E deixou para os seus frutos joias raríssimas lapidadas em forma de amor maternal. Fica em paz, oh, doce mulher!

Éd Brambilla. Crônica. OS INSTINTOS DE UMA FÊMEA E AS QUATRO ESTAÇÕES. 18/10/2014.

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