ÉD BRAMBILLA
APRESENTA:
CAPÍTULO
1
O
Problema
Damião,
preocupado com o alto índice de inadimplência da clientela de seu
escritório, resolveu apelar para a macumba. Foi ter com uma
amiga que é muito amiga de um Pai-de-Santo:
-Ele
é poderoso! – enfatizou a amiga.
No
entanto, o poderoso Pai-de-Santo andava extremamente ocupado com a
demanda de trabalhos por fazer. A solução: ele aceitou auxiliar
Damião por telefone:
“Mizifio,
suncê vai comprar uma garrafa de champanha da boa, um lenço
vermelho de seda da boa, um maço de cigarros longos do bom, um
frasco de perfume do bom, uma cumbuca de barro, um pacote de pipocas
e uma vela metade vermelha e metade preta. Suncê vai arranjar um
pouco de terra de cemitério e um pouco de água de poço” –
orientou o homem através de uma entidade no primeiro contato
telefônico.
Então
lá foram Damião e Carmeli – a amiga – a uma loja de coisas
macumbísticas. Damião comprou tudo por conta do escritório,
afinal o trabalho era para salvar o negócio da ruína. O sócio de
Damião concordou e tomou conta de tudo na ausência do aspirante a
macumbeiro para que a empreitada fosse um sucesso.
-Pronto!
Agora precisamos da água de poço e da terra de cemitério –
concluiu Carmeli depois de entrar no carro de Damião com o
kit-despacho.
Como
estavam perto de um cemitério, aproveitaram a viagem. Terra
conseguida. Faltava apenas a água, o que foi muito fácil, pois a
mãe de Damião ainda usava um antigo poço d´água.
Novo
telefonema para o Pai-de-Santo:
“Suncê
vai escrever os nomes de todos os clientes inadimplentes em
pedacinhos de papel, vai colocar tudo dentro da cumbuca de barro, vai
cobrir com a terra do cemitério e misturar tudo com a água do poço.
Depois suncê vai encontrar uma ponte que passa por cima de uma linha
de trem. Debaixo da ponte, do lado da linha do trem, suncê vai
estender o lenço vermelho, abrir a champanha e o frasco de perfume,
acender os cigarros e a vela preta e vermelha. Depois vai espalhar a
pipoca ao redor de tudo” – instruiu o poderoso Pai-de-Santo.
Damião
ficou desconfiado disso tudo, afinal sua intenção era boa. A ideia
era fazer uma macumba para que os clientes inadimplentes
prosperassem em seus negócios, e, com isso, acertassem suas dívidas
com o escritório.
-Esses
apetrechos todos não são muito pesados para uma macumba do bem? –
quis saber Damião.
-Não
se preocupe, esse Pai-de-Santo é muito poderoso; ele sabe o que está
fazendo – respondeu a amiga.
Como
Damião não entendia nada de feitiçaria, deu de ombros e continuou
com a saga macumbérica.
Foram
dois dias inteiros gastos com o despacho.
Mais
uma orientação do Pai-de-Santo: o trabalho precisava ser realizado
exatamente às seis horas da tarde de uma sexta-feira.
E
mais uma vez lá foram Damião e Carmeli. Posicionaram-se debaixo de
uma ponte, ao lado de uma linha de trem. E, por Deus!, havia uma
multidão sobre a passarela que resolveu parar para assistir ao
trágico ritual. Sim, trágico! Depois de tudo disposto sobre o lenço
vermelho, conforme instrução do ‘poderoso Pai-de-Santo’,
era o momento de acender os cigarros e a vela. Carmeli encarregou-se
de abrir a champanha e a entoar as cantigas para os orixás. O tempo
estava incrivelmente seco e quente até aquele momento. Nem brisa
soprava. E não é que mais que de repente uma ventania se formou do
nada! O vento tombou o frasco de perfume em cima do lenço vermelho,
esparramando todo o líquido inflamável, que chegou até à chama da
vela, que também havia tombado. Santo Deus! Damião, na pressa
de terminar logo tudo aquilo, colocou uns dez cigarros de uma só vez
na boca e acendeu tudo ao mesmo tempo. Olhou para Carmeli e ficou
horrorizado. Ela estava com uma fisionomia muito estranha. Era como
se estivesse possuída. E estava mesmo! Desesperado, o pobre Damião
cuspiu cigarros para todos os lados, agarrou no pescoço da possuída
e, sacudindo-lhe a cabeça, pôs-se a gritar:
-Sai
desse corpo, agora, espírito zombeteiro! Eu ordeno!
E
nada. Em cima da ponte, a multidão também gritava:
-Macumbeiros,
macumbeiros!
CAPÍTULO
2
Solução
ou Mais Encrenca?
Damião
lançou mão do celular e ligou para o Pai-de-Santo,
em busca de socorro:
“Suncê
vai fazer tudo o que eu disser” – ouviu do outro lado da linha.
Não da linha do trem, minha gente! Do telefone.
Orientado
pelo personal-feiticeiro, Damião foi falando um monte de
dizeres estranhos. E parece que deu certo. Carmeli foi voltando ao
normal. E Damião também. O problema é que o fogaréu havia tomado
conta do despacho e já estava alcançando o matagal que ficava à
beira dos dormentes da linha do trem. A tragédia teria sido muito
menor se Damião não tivesse tido a brilhante ideia de apagar o
incêndio com a champanha da boa.
Meu
Deus! As Labaredas de fogo, alimentadas com a champanha, voaram para
todos os lados, inclusive sobre Damião. E a multidão se ria – com
cãibras no estômago – dos patetas macumbeiros. E todos gritavam
“Macumbeiros de araque!!!” sem a menor cerimônia. A prestimosa
amiga, então, arrancou o paletó de contador de Damião e o usou
para combater o fogo. Deu certo, Oh, graças! Saíram do local
completamente resignados, frustrados e chamuscados.
-Não
olhe para trás – dizia Carmeli.
Damião
obedecia sem pestanejar, não por medo do desastroso despacho, mas
por conta da imensa vergonha que tomava conta de si naquele momento.
Entraram no carro sob as gargalhadas da multidão. Relataram tudo ao
'poderoso Pai-de-Santo', que
simplesmente se riu da situação e disse aos dois atrapalhados que
teriam de fazer tudo de novo.
-Vá
para o inferno, demônio de Satã!!! – foi tudo o que Damião
conseguiu dizer antes de dar as costas e entrar no carro proferindo
um monte de desaforos.
CAPÍTULO
3
O
Desfecho
Pois
bem, macumba mal feita precisa ser desfeita! E lá foram mais uma vez
Damião e Carmeli atrás de consertar o desastre. Desta vez,
procuraram uma Mãe-de-Santo. Resignados e desconfiados, pediram
referências sobre a mulher para terem certeza de que se tratava de
uma macumbeira do bem.
E
a ladainha continuou:
“Suncê
e sua amiga vão ter de ir ao cemitério pedir perdão para as almas
que eram donas das terras que vocês pegaram sem pedir. Suncê e sua
amiga vão ter de acender sete velas de sete dias durante sete
semanas para essas almas lhes concederem perdão. Suncê vai ter de
dar um banho de guaraná e pipoca no carro para espantar os espíritos
oportunistas. Depois disso tudo, suncê e sua amiga ficarão livres
da maldição” – concluiu enfim a Mãe-de-Santo.
Damião
ficou ressabiado em fazer outro ritual para quebrar a macumba
desastrosa e considerou melhor deixar tudo como estava.
Bomba!
E
não é que os clientes inadimplentes ficaram ainda mais
inadimplentes? E o pior: os clientes adimplentes passaram a atrasar
os honorários também.
-Ah,
não!!! – gritou raivosamente Damião.
Novamente
foi ter com a amiga. E lá foram os dois rumo ao cemitério.
Ajoelhados no local que serve para a oferenda de velas para os
mortos, Damião implorava em voz alta:
-Perdão,
almas queridas!!! Perdão!!!
A
amiga, toda encolhida de vergonha, resmungava:
-Não
precisa berrar, Damião! As almas não são surdas. Você está me
fazendo passar vergonha.
E
estava mesmo. Havia um monte de gente no oratório se rindo da
situação. E foi assim que, durante sete semanas, Damião e Carmeli
precisaram acender sete velas de sete dias para livrarem-se da
maldição da macumba mal feita. Ah, e o pobre Damião levou meses
para livra-se das pipocas e do guaraná que jogou dentro do carro. O
guaraná e a pipoca teriam de ter sido lançados sobre o carro, não
dentro dele.
Que
atire a primeira pedra quem nunca recorreu a uma macumbinha. E
não se engane: SIMPATIA nada mais é que uma definição usada por
aqueles que têm medo de usar a definição macumba.
De
macumbeiro e louco todo mundo tem um pouco.
______________
F I M _____________
Éd
Brambilla. CONTO. A MACUMBA. 2013.
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