ALMa RaBiScAdA

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

A MACUMBA

ÉD BRAMBILLA




APRESENTA:








CAPÍTULO 1

O Problema




Damião, preocupado com o alto índice de inadimplência da clientela de seu escritório, resolveu apelar para a macumba. Foi ter com uma amiga que é muito amiga de um Pai-de-Santo:

-Ele é poderoso! – enfatizou a amiga.

No entanto, o poderoso Pai-de-Santo andava extremamente ocupado com a demanda de trabalhos por fazer. A solução: ele aceitou auxiliar Damião por telefone:

“Mizifio, suncê vai comprar uma garrafa de champanha da boa, um lenço vermelho de seda da boa, um maço de cigarros longos do bom, um frasco de perfume do bom, uma cumbuca de barro, um pacote de pipocas e uma vela metade vermelha e metade preta. Suncê vai arranjar um pouco de terra de cemitério e um pouco de água de poço” – orientou o homem através de uma entidade no primeiro contato telefônico.

Então lá foram Damião e Carmeli – a amiga – a uma loja de coisas macumbísticas. Damião comprou tudo por conta do escritório, afinal o trabalho era para salvar o negócio da ruína. O sócio de Damião concordou e tomou conta de tudo na ausência do aspirante a macumbeiro para que a empreitada fosse um sucesso.

-Pronto! Agora precisamos da água de poço e da terra de cemitério – concluiu Carmeli depois de entrar no carro de Damião com o kit-despacho.

Como estavam perto de um cemitério, aproveitaram a viagem. Terra conseguida. Faltava apenas a água, o que foi muito fácil, pois a mãe de Damião ainda usava um antigo poço d´água.

Novo telefonema para o Pai-de-Santo:

“Suncê vai escrever os nomes de todos os clientes inadimplentes em pedacinhos de papel, vai colocar tudo dentro da cumbuca de barro, vai cobrir com a terra do cemitério e misturar tudo com a água do poço. Depois suncê vai encontrar uma ponte que passa por cima de uma linha de trem. Debaixo da ponte, do lado da linha do trem, suncê vai estender o lenço vermelho, abrir a champanha e o frasco de perfume, acender os cigarros e a vela preta e vermelha. Depois vai espalhar a pipoca ao redor de tudo” – instruiu o poderoso Pai-de-Santo.

Damião ficou desconfiado disso tudo, afinal sua intenção era boa. A ideia era fazer uma macumba para que os clientes inadimplentes prosperassem em seus negócios, e, com isso, acertassem suas dívidas com o escritório.

-Esses apetrechos todos não são muito pesados para uma macumba do bem? – quis saber Damião.

-Não se preocupe, esse Pai-de-Santo é muito poderoso; ele sabe o que está fazendo – respondeu a amiga.

Como Damião não entendia nada de feitiçaria, deu de ombros e continuou com a saga macumbérica.

Foram dois dias inteiros gastos com o despacho.

Mais uma orientação do Pai-de-Santo: o trabalho precisava ser realizado exatamente às seis horas da tarde de uma sexta-feira.

E mais uma vez lá foram Damião e Carmeli. Posicionaram-se debaixo de uma ponte, ao lado de uma linha de trem. E, por Deus!, havia uma multidão sobre a passarela que resolveu parar para assistir ao trágico ritual. Sim, trágico! Depois de tudo disposto sobre o lenço vermelho, conforme instrução do ‘poderoso Pai-de-Santo’, era o momento de acender os cigarros e a vela. Carmeli encarregou-se de abrir a champanha e a entoar as cantigas para os orixás. O tempo estava incrivelmente seco e quente até aquele momento. Nem brisa soprava. E não é que mais que de repente uma ventania se formou do nada! O vento tombou o frasco de perfume em cima do lenço vermelho, esparramando todo o líquido inflamável, que chegou até à chama da vela, que também havia tombado. Santo Deus! Damião, na pressa de terminar logo tudo aquilo, colocou uns dez cigarros de uma só vez na boca e acendeu tudo ao mesmo tempo. Olhou para Carmeli e ficou horrorizado. Ela estava com uma fisionomia muito estranha. Era como se estivesse possuída. E estava mesmo! Desesperado, o pobre Damião cuspiu cigarros para todos os lados, agarrou no pescoço da possuída e, sacudindo-lhe a cabeça, pôs-se a gritar:

-Sai desse corpo, agora, espírito zombeteiro! Eu ordeno!

E nada. Em cima da ponte, a multidão também gritava:

-Macumbeiros, macumbeiros!



CAPÍTULO 2

Solução ou Mais Encrenca?

Damião lançou mão do celular e ligou para o Pai-de-Santo, em busca de socorro:

“Suncê vai fazer tudo o que eu disser” – ouviu do outro lado da linha. Não da linha do trem, minha gente! Do telefone.

Orientado pelo personal-feiticeiro, Damião foi falando um monte de dizeres estranhos. E parece que deu certo. Carmeli foi voltando ao normal. E Damião também. O problema é que o fogaréu havia tomado conta do despacho e já estava alcançando o matagal que ficava à beira dos dormentes da linha do trem. A tragédia teria sido muito menor se Damião não tivesse tido a brilhante ideia de apagar o incêndio com a champanha da boa.

Meu Deus! As Labaredas de fogo, alimentadas com a champanha, voaram para todos os lados, inclusive sobre Damião. E a multidão se ria – com cãibras no estômago – dos patetas macumbeiros. E todos gritavam “Macumbeiros de araque!!!” sem a menor cerimônia. A prestimosa amiga, então, arrancou o paletó de contador de Damião e o usou para combater o fogo. Deu certo, Oh, graças! Saíram do local completamente resignados, frustrados e chamuscados.

-Não olhe para trás – dizia Carmeli.

Damião obedecia sem pestanejar, não por medo do desastroso despacho, mas por conta da imensa vergonha que tomava conta de si naquele momento. Entraram no carro sob as gargalhadas da multidão. Relataram tudo ao 'poderoso Pai-de-Santo', que simplesmente se riu da situação e disse aos dois atrapalhados que teriam de fazer tudo de novo.

-Vá para o inferno, demônio de Satã!!! – foi tudo o que Damião conseguiu dizer antes de dar as costas e entrar no carro proferindo um monte de desaforos.



CAPÍTULO 3

O Desfecho


Pois bem, macumba mal feita precisa ser desfeita! E lá foram mais uma vez Damião e Carmeli atrás de consertar o desastre. Desta vez, procuraram uma Mãe-de-Santo. Resignados e desconfiados, pediram referências sobre a mulher para terem certeza de que se tratava de uma macumbeira do bem.

E a ladainha continuou:

“Suncê e sua amiga vão ter de ir ao cemitério pedir perdão para as almas que eram donas das terras que vocês pegaram sem pedir. Suncê e sua amiga vão ter de acender sete velas de sete dias durante sete semanas para essas almas lhes concederem perdão. Suncê vai ter de dar um banho de guaraná e pipoca no carro para espantar os espíritos oportunistas. Depois disso tudo, suncê e sua amiga ficarão livres da maldição” – concluiu enfim a Mãe-de-Santo.

Damião ficou ressabiado em fazer outro ritual para quebrar a macumba desastrosa e considerou melhor deixar tudo como estava.

Bomba!

E não é que os clientes inadimplentes ficaram ainda mais inadimplentes? E o pior: os clientes adimplentes passaram a atrasar os honorários também.

-Ah, não!!! – gritou raivosamente Damião.

Novamente foi ter com a amiga. E lá foram os dois rumo ao cemitério. Ajoelhados no local que serve para a oferenda de velas para os mortos, Damião implorava em voz alta:

-Perdão, almas queridas!!! Perdão!!!

A amiga, toda encolhida de vergonha, resmungava:

-Não precisa berrar, Damião! As almas não são surdas. Você está me fazendo passar vergonha.

E estava mesmo. Havia um monte de gente no oratório se rindo da situação. E foi assim que, durante sete semanas, Damião e Carmeli precisaram acender sete velas de sete dias para livrarem-se da maldição da macumba mal feita. Ah, e o pobre Damião levou meses para livra-se das pipocas e do guaraná que jogou dentro do carro. O guaraná e a pipoca teriam de ter sido lançados sobre o carro, não dentro dele.

Que atire a primeira pedra quem nunca recorreu a uma macumbinha. E não se engane: SIMPATIA nada mais é que uma definição usada por aqueles que têm medo de usar a definição macumba.

De macumbeiro e louco todo mundo tem um pouco.


______________ F I M _____________



Éd Brambilla. CONTO. A MACUMBA. 2013.

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