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sexta-feira, 28 de novembro de 2014

O MUNDO QUE ME CERCA

Aconteceu num ponto de ônibus, num dia desses (era meio-dia): um rapaz vendia quinquilharias para uma “ONG”... Ele tentou pegar carona em vários ônibus, para, durante o trajeto, fazer o seu comércio... Curioso - afinal sou um comunicador -, perguntei-lhe sobre o seu trabalho... E ele respondeu-me: "-Sou interno de uma instituição que recupera dependentes químicos... Estou tentando me livrar das drogas... Então vendo estes produtos para essa mesma “ONG”... É que preciso pagar pelo meu tratamento, sabe..." E por quê não te deixam fazer o teu trabalho, digo, os motoristas de ônibus?... “-Eles e a maioria dos passageiros são anticristos... Não gostam de ouvir a palavra do senhor..." Entendo, respondi. E ele emendou: "-Eu já roubei muito... As drogas, sabe... Até bater em minha mãe, já bati... Mas faz três meses que sou outro... Agora só quero seguir ao Senhor..." Compreendo! estava eu a responder quando mais três rapazes - da mesma “ONG” - chegaram e se juntaram a ele numa espécie de algazarra sarcástica; um deles gingava sensualmente de um lado para o outro (estava ouvindo música num fone de ouvido... num dos ouvidos... o outro ouvido estava atento ao mundo)... O rapaz “gingador” disse para o rapaz que deu origem a este texto: "-E aí? Quantos você já 'enrolou' hoje?!" E o outro respondeu: "-Ah, hoje tá 'foda'! Os 'cuzão' tão de 'marcação'... ninguém deixa eu entrar no 'busão'..." Um outro rapaz, rindo, e ao mesmo tempo bolinando com uma moça que passava, disse: "-Ah, mano... de manhã 'rendeu' bem, lá no terminal central... deve ser o espírito de natal..." E os quatro se puseram a rir muito... Eu, que antes de se formar a patota, estava quase a comprar umas bobeiras apenas para ajudar, me encolhi num cantinho, torcendo para que viesse logo o meu ônibus... como este demorou, sai quietinho e fui do outro lado da rua, numa pequena praça, e tomei um táxi... E então compreendi pela milésima vez: "Como alguns seres humanos conseguem ser tão estúpidos com sua própria raça! E ainda dizem apregoar 'a palavra do senhor', denominar aos outros de anticristos, quando eles próprios são uma escória..." Mas sei que existem pessoas sérias também, que são sinceras quando dizem que abandonaram suas tortuosidades... E assim vou eu afirmando os conhecimentos que adquiro em livros e mais livros...

Éd Brambilla. Crônica. O mundo que me cerca. 23/11/2014.