Aconteceu num ponto de ônibus, num dia desses (era meio-dia): um rapaz
vendia quinquilharias para uma “ONG”... Ele tentou pegar carona em vários
ônibus, para, durante o trajeto, fazer o seu comércio... Curioso - afinal sou
um comunicador -, perguntei-lhe sobre o seu trabalho... E ele respondeu-me:
"-Sou interno de uma instituição que recupera dependentes químicos... Estou
tentando me livrar das drogas... Então vendo estes produtos para essa mesma “ONG”...
É que preciso pagar pelo meu tratamento, sabe..." E por quê não te deixam
fazer o teu trabalho, digo, os motoristas de ônibus?... “-Eles e a maioria dos
passageiros são anticristos... Não gostam de ouvir a palavra do senhor..."
Entendo, respondi. E ele emendou: "-Eu já roubei muito... As drogas, sabe...
Até bater em minha mãe, já bati... Mas faz três meses que sou outro... Agora só
quero seguir ao Senhor..." Compreendo! estava eu a responder quando mais
três rapazes - da mesma “ONG” - chegaram e se juntaram a ele numa espécie de algazarra
sarcástica; um deles gingava sensualmente de um lado para o outro (estava
ouvindo música num fone de ouvido... num dos ouvidos... o outro ouvido estava
atento ao mundo)... O rapaz “gingador” disse para o rapaz que deu origem a este
texto: "-E aí? Quantos você já 'enrolou' hoje?!" E o outro respondeu:
"-Ah, hoje tá 'foda'! Os 'cuzão' tão de 'marcação'... ninguém deixa eu
entrar no 'busão'..." Um outro rapaz, rindo, e ao mesmo tempo bolinando
com uma moça que passava, disse: "-Ah, mano... de manhã 'rendeu' bem, lá
no terminal central... deve ser o espírito de natal..." E os quatro se
puseram a rir muito... Eu, que antes de se formar a patota, estava quase a
comprar umas bobeiras apenas para ajudar, me encolhi num cantinho, torcendo
para que viesse logo o meu ônibus... como este demorou, sai quietinho e fui do
outro lado da rua, numa pequena praça, e tomei um táxi... E então compreendi
pela milésima vez: "Como alguns seres humanos conseguem ser tão estúpidos
com sua própria raça! E ainda dizem apregoar 'a palavra do senhor', denominar
aos outros de anticristos, quando eles próprios são uma escória..." Mas
sei que existem pessoas sérias também, que são sinceras quando dizem que
abandonaram suas tortuosidades... E assim vou eu afirmando os conhecimentos que
adquiro em livros e mais livros...
Éd Brambilla. Crônica. O mundo que me
cerca. 23/11/2014.
Um comentário:
Gentalha!
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