ALMa RaBiScAdA

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

AMIGOS FORA DE FOCO

Éd Brambilla


APRESENTA:







2015




SUMÁRIO


De autor para leitor ..,,...,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,,, p. 3
CapítuIo I - “Colha o dia!”, o encontro ................................................. p. 4
Capítulo II - Amigos estressados ........................................................... p. 8
Capítulo III  - A “BARRREIRA DE CONES” ................................... p. 13
Capítulo IV – Com quantos policiais se faz uma barreira? ................. p. 16
Capítulo V (último)  - E tudo acabou em “pizza”, ou melhor, em “videoquê” .............................................................................................................. p. 18 





De AUTOR para LEITOR:

         O trio de amigos “Láu, Léo e Lia” são completamente desorientados e cômicos, cada um a sua maneira. Numa certa noite de maio de 2006, na passagem de um sábado para um domingo, os três resolvem cantar num “videoquê”. O que nenhum deles sequer imaginava era que a noite estava completamente movimentada com a guerrilha entre o PCC (Primeiro Comando da Capital) e a polícia. E é nesse contexto conturbado que tudo pode acontecer, porque Laura, Leonardo e Liana são AMIGOS FORA DE FOCO.




CAPÍTULO I

“COLHA O DIA!”, O ENCONTRO


Sábado, 13 de maio de 2006, 8:00h:


Leonardo encontrava-se ainda em estado de sonolência quando o telefone tocou e, como o rapaz nutre grande paixão por antiguidades, o barulho do aparelho assemelha-se a um daqueles despertadores à corda de um tempo que não volta mais. Num sobressalto, ainda com a voz em estado de recomposição, ele atendeu ao chamado e balbuciou um “Alô!” num tom de embriaguez. Do outro lado da linha, Laura, uma amiga de longa data, devolveu-lhe à realidade com um sonoro “Bom-dia amigo!”
-Estou em casa procurando o que fazer – disse Laura. -Ah! Também está aqui comigo uma amiga que acabou de chegar do Rio de Janeiro para passar uns dias em Campinas; que tal fazermos algo hoje à noite?
-A ideia não é ruim, mas... Tudo bem, às nove da noite está bom para vocês? – propôs logo Leonardo para não estender a conversa. É que ele tem preguiça de pensar nos primeiros instantes do acordar.
-Combinado! Às nove em ponto estaremos em seu apartamento – finalizou Laura, percebendo que Leonardo ainda oscilava entre sono e sonho.
-Um grande beijo, amigo!... Mais tarde conversaremos lucidamente.

-Eu também estou com saudade - ironizou Leonardo.

20:00h:

Durante o resto do dia nada de anormal acontecera depois do contato telefônico. À noite, porém, exatamente às oito horas, o interfone tocou e o porteiro do condomínio anunciou a chegada das amigas.
-Claro, explique às moças como chegar ao meu apartamento – pediu Leonardo ao porteiro.
Passados quase dez minutos, as amigas encontravam-se no “hall” de entrada do bloco onde fica o apartamento. Como mora no último andar e não há elevador no prédio, Leonardo desceu os oito lances de escadas para receber as convidadas resmungando qualquer coisa do tipo: -Estas escadas me fazem odiar receber visitas! - mas era apenas força de expressão, pois, se houvesse um concurso de anfitrião do ano, Léo com certeza receberia o primeiro prêmio... O segundo, talvez... Tudo bem, o terceiro.
-Que saudade de você, amigo! – disse Laura enquanto abraçava o amigo – ou melhor dizendo, esmagava-o, visto que a moça deve ter pelo menos uns trinta quilos a mais que Leonardo.
-E-eu tam-também es-estou mu-muito fe-feliz em vê-la!
-Ah, “olha só”, esta é Liana – abraçada à moça –, a amiga da qual te falei, mas pode chamá-la por Lia; ela prefere que seja assim, caso contrário, fica uma fera.
-Prazer, amigo! A Lau fala muito de você, parece até que te conheço há anos – “cariocou” Liana, ou melhor, Lia, vai que ela realmente se transforme numa fera. Se dependesse da imaginação de Leonardo, isso bem que seria possível.
É incrível como toda vez em que duas pessoas são apresentadas, uma delas, ou as duas, sempre diz ou dizem sentir uma intimidade de anos. Seria esta uma forma de estreitar laços, ou, como dizem por aí, uma forma de “quebrar o gelo”?
-Lia, vou logo avisando – adiantou Leonardo –, fazer qualquer passeio comigo é risco de morte;  não sei se a Láu te falou, mas se existe alguém neste mundo que atrai situações malucas, este alguém sou eu – e, para completar, o rapaz pediu para que o chamassem por Léo.
E assim estava formado o trio: Láu, Léo e Lia.
-Amigas, vocês seguem na frente e eu na retaguarda; são oito lances de escadas – disse Léo já absorvendo o “carioquês” das amigas enquanto, em tom de riso, apontava para a escadaria.
-“Caracas”, amigo! Lá no “morro” essas escadas são “rolantes” pra mim.
-Como assim? Você mora em cima de uma montanha?!
-Léo, você não está falando sério, está?
-Qual o problema de alguém morar no cume de uma montanha, Laura? Eu conheço um alguém que mora dentro de um vagão de trem... Só estou tentando imaginar o número de degraus que a Lia precisou construir para alcançar a casa dela.
-“Tu falou” que ele era meio maluco, Láu... Mas agora tenho certeza de que teu amigo é maluco por inteiro.
-Amigo, a Lia mora numa “comunidade” que fica no “Morro do Tabajara”, lá para os lados de Copacabana, entendeu?
Leonardo nem rubro ficara, mas não lhe sobrou alternativa senão “cair na gargalhada” e sentar-se no chão para que o riso não lhe fizesse doer o estômago.
A maioria das pessoas sempre faz isso: senta-se para gargalhar. Gargalhar causa “dor-de-estômago”? E se não existisse o estômago? Será que as pessoas somente ririam? E as deliciosas gargalhadas, não existiriam? Viva o estômago!
-Levanta logo daí, “amigo”! Vamos subir para o seu apartamento de uma vez por todas porque ainda quero sair pra cantar “Total eclipse of the heart” em algum “videoquê”.
-Você nunca me disse que gostava de cantar em “videoquê”, Láu! Que história é essa de “vídeoquê”?
-Tem muita coisa a meu respeito que você ainda não sabe, Léo... Portanto, vê se não demora pra ficar pronto... Eu sei muito bem o tempo que você leva no banho... Já são quase dez horas, daqui a pouco a Lia fica estressada e acabaremos por não fazer nada.
-Eu não fico estressada, Láu! Você é quem me tira do sério com sua tranquilidade de monja tibetana.
-“Caracas”, Lia! Eu não sou tão tranquila da forma como você está dizendo... O meu estresse é para dentro, senão ficamos as duas em estado de histeria... Eu apenas tento equilibrar as situações.
-Então você está dizendo que eu sou a histérica?! Vamos embora agora mesmo! Não quero mais saber de “videoquê” e nem de qualquer outro “quê”!
-Meninas, vocês têm certeza de que gostam realmente uma da outra?
As moças se entreolhavam desafiadoramente. Aconteceria ali um duelo de verdades e inverdades?
-Lia, meu anjo, “tu” é “marrenta” demais! Para logo com esse “piripaque” e acelera o passo senão o Léo vai pensar que a doida aqui é você.
-Doida?! Então eu sou a doida?! Você ainda não viu nada! Vou mostrar pra você quem é a doida!
-Parem com isso! – gritou Léo – Eu declaro que as duas são doidas... E declaro também que aqui não é um manicômio, é um condomínio de apartamentos... Portanto, se as duas não se comportarem, vou chamar a “carrocinha”...
-“Carrocinha”?! – perguntaram-se as amigas em uníssono.
-Isso mesmo, a “carrocinha”.
-Amigo, que negócio é esse de “carrocinha”? Lá no “Rio”, eu conheço o “caveirão”... Mas carrocinha?! Eu nunca ouvi falar... Você conhece, Láu? Para que serve essa tal de “carrocinha” por aqui?
-É um carro parecido com um camburão; a diferença é que em vez de carregar ladrões, carregam-se cachorros-loucos.
-Cachorros-loucos?! – novamente em uníssono as amigas.
-“Tu acha” que a Lia e eu somos cadelas?! Estou horrorizada com você, Léo!
-Eu não quis dizer que as duas são cadelas; apenas quis dizer que as duas são doidas, histéricas, “marrrentas”... Não apenas uma ou outra...
-Querem saber de uma coisa? Vamos esquecer essa história de “carrocinha”, “caveirão”, camburão... Eu quero é cantar... Estou doida de vontade de cantar “Total eclipse of the heart”... – tentou encerrar o assunto Laura.
-Ah, então você concorda? – retrucou Lia. -Ouviu, Léo? Ela é a doida, não sou eu... E ainda tem a “cara-de-pau” de confessar... Escutei muito bem.
-Meninas, discutam a relação de vocês outro dia... Discutir relação dá “dor-de-cabeça”... Hoje é dia de festa... Sábado é dia de festa... Enquanto eu tomo uma boa ducha, vocês ficam na sala me esperando... Tem cerveja na geladeira... Fiquem à vontade e bebam o quanto quiserem... Assim, ficarão mais relaxadas.
-Tomar muita cerveja também dá “dor-de-cabeça”, mas é melhor que “discutir relação”... “Dor-de-cabeça” de ressaca de cerveja dá para curar com uma boa “aspirina”, não é verdade, dona Lia?
-Se você está dizendo, então é... Não quero mais discutir... Quero beber até ficar embriagada.


CAPÍTULO II

AMIGOS ESTRESSADOS

Sábado, 13 de maio de 2006, 21:30h:


Os vinte minutos que Léo prometera ficar no banho duraram quase uma hora. Quando finalmente declarou-se pronto para a “balada”, o rapaz encontrou as amigas rindo uma da outra... A outra da “uma”... E as duas de Léo.
-Eu não acredito! Vocês não estão bêbadas, estão? Ah, não! Levantem agora mesmo desse sofá e vamos procurar um bar que tenha “videoquê”... Minha irmã me emprestou o carro.
-Que “maneiro!” Tua irmã é muito gente boa... Escutou, Lia? A Lú, irmã do Léo, emprestou o carro dela pra gente.

-Lú de que, Léo?... De Luana?
-Não, Lia... Lú de Lucélia... Ela está para chegar; a Láu já a conheceu.
- “Caracas”, até que enfim vou conhecer uma Lucélia... Só conheço mesmo  a Lucélia Santos, a atriz.
-Você conhece a Lucélia Santos?! – espantou-se Leonardo. -Que legal! Quando eu for para o “Rio”, você me apresenta para ela?
-Não posso, “amigo”!
-Por quê?
-Não sei onde ela mora.
-Mas você disse que a conhece!
-Amigo, até a China conhece a Lucélia Santos.
-Ah, “meus sais”! E eu ainda dou “trela” para você, Lia... Vamos esperar minha irmã no estacionamento... Assim ganhamos tempo.
-Ai, ai! A Lia está acostumada com os milhares de degraus da “comunidade”... Mas eu, coitada de mim, tenho preguiça até de elevador – resmungou Laura.
-Láu, o mundo não é cor-de-rosa para todos... Seria muito bom se você conhecesse o mundo em outros tons – censurou Leonardo. -Você deveria fazer um “tour no morro” com a Lia.
-Isso até eu quero ver! – comemorou Lia. -A Láu, no “morro”?! Ela só conhece, mesmo, o Leblon, Recreio, Barra... Só o lado glamouroso do “Rio”.
-Isso é verdade, Lia? – questionou Léo desacreditado. -Eu que nunca fui ao “Rio”, adoraria conhecer a comunidade da Rocinha, a Vidigal... Pode ser a “Tabajara”, já que você mora lá.
-Quando tu quiser, amigo – respondeu Lia toda orgulhosa. -Tu vai até engrossar esses seus cambitos de tanto subir e descer escada – e caiu na gargalhada.
-Você está me chamando de magricela?! – ofendeu-se Leonardo já empacando no “hall” que dá para as escadas.
-Ah, não! Discussão de novo, não! Eu nem quero perder o meu tempo explicando qual é a cor do meu mundo, gente! Enquanto vocês dois estavam aí, pintando o mundo, a Lú chegou – interrompeu Láu. –Vi aqui da janela quando ela chegou... Está esperando a gente lá embaixo.
-Meninas, a noite nos espera!
-Viva!!! – comemoraram os três ao mesmo tempo, enfrentando as escadas animadamente.
-Descer escadas não é tão ruim, assim... Pior é subi-las – disse Lia. -Lá no “morro” tem até “mototáxi” pra quem tem preguiça de subir escadas... E “olha só”, custa apenas um real.
-Então quando eu for te visitar, Lia, a Láu e eu poderemos fazer uso desse “mototáxi”... O que você acha, Láu?
-Sou a favor da lei do mínimo esforço – respondeu a moça. -Viva o transporte alternativo!
Lucélia encontrava-se na entrada do prédio a espera de Leonardo e as amigas:
-Prazer em conhecê-las! Meu nome é Lucélia... Peço desculpas por não ficar mais tempo com vocês... Estou com um pouco de pressa... É que tem uma festa me esperando no “Bloco E”.
-"Caracas", tu parece até o Léo no jeito de falar... Toda cheia dos salamaleques – já foi logo despejando Lia despachadamente.
-Lú, não dê trela a Lia..., Ela fala o que pensa sem medir as palavras.
-Não tem problema, gosto de pessoas sinceras – considerou Lucélia.
-Vamos para um “videoquê”... Devolvo o carro por volta das quatro horas da manhã, tudo bem? – explicou Leonardo para a irmã.
-Aqui está a chave do carro... Tome cuidado com multas e principalmente ladrões.
-Fique tranquila, o lugar é bem policiado – tranquilizou Leonardo a irmã.
Ah, se Leonardo soubesse o quanto esta noite estava sendo realmente bem policiada! Certamente teria ficado em casa. Na noite de sexta-feira, doze de maio, o “PCC”, que é uma sigla para designar “Primeiro Comando da Capital”, uma organização criminosa e muito poderosa do Estado de São Paulo, estava atacando, com bombas e armamentos bélicos, postos policiais e bases militares, num confronto que estava mobilizando o país. Leonardo, alguns dias antes do fato, e até àquele momento, praticamente não havia visto televisão, ouvido rádio ou lido jornais. Ele trabalha em repartição pública e o mês de maio é de grande correria por conta do prazo de entrega da Declaração de Imposto de Renda de Pessoa Jurídica, o que o deixara alheio ao que estava acontecendo ao redor de seu mundo de números e contas e quimeras.

TRECHO DE UM NOTICIÁRIO DO SITE UOL, EM 12 DE MAIO DE 2006:
“Marcelo Gutierres, em São Paulo

Sexta-feira, 12 de maio: anoiteceu em São Paulo. E iniciava-se a maior onda de violência já promovida no Estado por uma facção criminosa, o PCC (Primeiro Comando da Capital), conhecido entre os detentos como o “Partido”. Em oito dias, o governou contou 373 ataques. Oficialmente, 154 pessoas morreram, sendo 24 PMs, 11 policiais civis, 9 agentes penitenciários, 110 cidadãos – 79 deles suspeitos de ligação com o PCC [...]”

E é nesse clima de desordem que nossos heróis completamente “fora de foco” estão prestes a viver uma inusitada e perigosa aventura em frente a uma base da Polícia Militar, nos confins da Avenida Rebouças, em Sumaré, São Paulo.

VOLTANDO AOS AMIGOS, AINDA NO ESTACIONAMENTO DO CONDOMÍNIO DE LÉO:

-Amigo, qual o nome desta cidade? – perguntou Liana.
-Sumaré.
-O quê? “Suma” o quê? Que nome estranho! De onde saiu esse nome?
-E ‘Morro do Tabajara’? Também não é um nome estranho, Lia? – respondeu Léo com ironia.
-Léo, esquece a Lia e “pé na tábua”... Quero um “videoquê”... Quero cantar Total Eclipse of the heart – lembrou irritantemente Láu. - Tem algum aqui, em Sumaré?
-Que eu saiba, não... Mas sei de um que fica em Nova Odessa, uma cidade que faz divisa com Sumaré... Basta irmos pela Avenida Rebouças... No final dela, já em Nova Odessa, tem um barzinho com “videoquê”.
-Muito bem, amigo! Então é pra lá que vamos... Quero cantar até perder a voz.
-E a compostura, também – completou Lia.
-Por que a Láu perderia a compostura, Lia? – quis saber Léo
-Léo, querido, quando a Láu resolve beber, ela não toma “umas”... Toma “duas”, “dez”... E o quanto aguentar.
-Você está me chamando de “cachaceira”, Lia?
-Não, meu amor! Apenas estou querendo dizer que você é... Hum... Como eu poderia dizer?... 'Empolgada com a bebida’.
-Meninas, faremos uma combinação: beberemos os três até ficarmos completamente alucinados... Estou mesmo precisando de uma boa extravagância – meneou e minou Léo uma possível nova discussão de relação entre as amigas.
-E quem voltará dirigindo?
-Ah, Lia! Vamos deixar esse detalhe para resolvermos depois... Primeiro o problema, depois, a solução.
-“Boa”, Léo! Gosto de pessoas de atitude. – disse Laura.
-E sem responsabilidade, não é verdade? – resmungou Liana.
-Cala a boca, Lia! – gritaram Leonardo e Laura ao mesmo tempo.
E não é que Leonardo já começava a perder a paciência com Liana?!



CAPÍTULO III

A “BARRREIRA DE CONES”


22:10h:

Enquanto Lucélia, a única personagem aparentemente mais sensata desta história, se preparava para a festinha no "Bloco E", o trio de amigos "sem-noção", Láu, Léo & Lia, iam de encontro ao argumento que deu margem para a criação desta narrativa.

JÁ NA AVENIDA REBOUÇAS:

(Turn around...) – no rádio do carro.
“Bright eyes...” – Láu aos berros.
(Turn around…) – no rádio do carro.
“Bright eyes...” – Léo aos berros.
(Turn around) – no rádio do carro.
“Every now and then / I know you’ll never be the boy / You always wanted to beeeeee”… – Láu e Léo aos berros (sobrepondo Bonnie Tyler).
-CALEM A BOCA, PELO AMOR DE DEUS! – Gritou Liana descontroladamente. -Vocês estão me “gastando”, é?! – fazendo uso de uma gíria para dizer que os amigos estavam testando a sua paciência.
-Gente! – espantou-se Léo. -Essa sua amiga é sempre assim, tresloucada, Láu?
-Amigo, fica tranquilo! É só botar um “funk pancadão que ela fica boa na hora. – e botou para tocar no rádio do carro “Tchutchuca Treme o Bumbum”, do DJ Martins.
E a música, feito droga alucinógena, tomou conta (possuiu) da amiga Liana, que se comportou feito uma doidivanas no banco de trás do carro:
“Tchutchuca treme o bumbum, treme, treme, treme... Tchutchuca treme o bumbum, treme, treme, treme...” – pôs-se a esgoelar-se Lia, ao mesmo tempo em que, ajoelhada no banco do carro, de costas para Láu e Léo, tremelicava alucinadamente os glúteos e repicava o quadril ora para cima, ora para baixo. A doidice de Lia era tanta que, na metade da música, ela degringolou a girar a cabeça freneticamente, fazendo com que a cabeleira loura dela repicasse para todos os lados.
-Meu Deus, Láu! Sua amiga está bem?! – quis saber Léo completamente estupefato com a cena.
(Láu às gargalhadas): -Amigo, vai se acostumando...É disso pra pior!
E não é que Liana, mesmo no meio da alucinação do “pancadão”, ouviu a colocação da outra?!
-O QUÊ?! – berrou a "funkeira". –Você está me envenenando pro Léo, dona Laura?! É isso mesmo, eu ouvi bem?! – e tentou revidar a amiga: -Pois também tenho “uns podres” seus pra contar.. Fique sabendo, Léo... – e foi interrompida pelo próprio rapaz.
-NÃOOO!... Discussão de relação de novo, NÃOOO! – gritou ainda mais alucinadamente Leonardo, completamente fora de foco. –Eu só quero chegar logo no videoquê! Calem as matracas, as duas, PELO AMOR DE DEUSSS!
-EU QUERO CANTAR “TOTAL ECLIPSE OF THE HEARTTT”! – berrou ainda mais forte Láu.
-CALA ESSA BOCA, LÁUUU! – gritaram Lia e Léo ao mesmo tempo.
-Gente, eu só quero cantar... – tentou argumentar Laura, e, antes de dizer pela centésima vez o título da música que – Jesus seja louvado! – nem mesmo eu, o autor desta maluquice, aguento mais ouvir, Léo berrou com toda a força de seus pulmões:
-PUTA QUE O PARIU, LAURA!... VOCÊ E ESSA BONNIE TYLER... VÃO PARA O DIABO QUE AS CARREGUE! CHEGAAA!
Um silêncio profundo tomou conta do interior do veículo. Porém, como toda tranquilidade dura o suficiente para recuperar e fôlego, Laura avistou uns cones interditando a Avenida Rebouças quando já estavam bem próximos da delegacia da cidade.
-Léo, amigo, olha só... Tu vai ter que virar à esquerda porque tem uma barreira fechando a avenida... – precaveu a amiga que quer muito cantar... Bom, todos sabem o que ela quer cantar.
Léo olhou para além da barreira de cones e avistou um carro (estacionado em frente à delegacia, e, certamente, de algum funcionário que encerrava o expediente) que manobrava para sair. Depois, percebendo que faltavam dois cones na formação da barreira e que seu veículo, bastante estreito, passaria tranquilamente, avançou sem a menor cerimônia. 
-Amigo, tem alguma coisa estranha acontecendo! – advertiu Laura quando o carro já havia avançado uns quatro metros pelo local interditado.
De repente, Liana, no banco de trás do carro, entrou num estado de histeria tão assustador, que Leonardo e Laura simplesmente desviaram toda a atenção do que estava acontecendo do lado de fora do carro para o banco onde Lia se segurava como podia: a moça simplesmente havia arrancado o tampão do porta-malas do carro (interno) e estava com metade do corpo dentro do compartimento; as bandas da bunda enroscadas no apoio de cabeça do banco traseiro do pequeno “corsa”, pareciam duas gelatinas num daqueles tremores de terra que devasta uma cidade inteira; a perna direita, sufocada dentro de uma meia-calça do tipo “arrastão”, fazia com que o pé chutasse incessantemente a parte de trás do banco dianteiro onde estava sentado Léo; e, por fim, a perna esquerda fazia com que o pé chutasse a parte de trás do banco onde estava sentada Láu. E tudo o mais eram frases soltas que ecoavam dentro do veículo sem o menor sentido para Léo e Láu:
-AI, MEU DEUSSS! EU NÃO QUERO MORRERRR! EU NÃO QUERO MORRERRR! PELO AMOR DE DEUSSS, PARA ESSE CARROOO! – esgoelava a moça do bumbum que tremelica mais que gelatina.
-Láu, o que eu faço? Devo parar o carro para socorrermos a Lia? – quis saber Léo completamente tranquilo, de tão assustado que estava com a cena. E antes que Laura pudesse responder o que quer que fosse, um berro de comando ainda mais forte ecoou do lado de fora do automóvel:
-CESSAR FOGOOO! NÃO ATIREM, NÃO ATIREM!... FECHA LÁ NA FRENTE... RÁPIDO, RÁPIDO... CESSAR FOGOOO!
Quando Léo escutou o grito de comando, olhou o mais rápido que pode para a direção de onde o som havia vindo. Como não avistou absolutamente nada além de outros cones que formavam outra barreira (desta vez não faltavam cones) ao término da fachada da delegacia, obrigatoriamente virou o carro à direita, e, repentinamente, empalideceu de horror. Sentiu toda a espinha dorsal congelar-se. Láu, petrificada, jogou as mãos contra o rosto e gritou:
-CARALHO, MANO! FODEUUU!



CAPÍTULO IV

COM QUANTOS POLICIAIS SE FAZ UMA BARREIRA?


22:30h:


Ao avistar mais uma barreira a sua frente (formada por vinte policiais militares), Leonardo freou o carro bruscamente. O barulho do pneu derrapando no asfalto zumbiu até nos ouvidos dos mortos do Cemitério Municipal da Saudade, localizado a pouca distância do ponto em que tudo acontecia, na Avenida Rebouças. Laura, num impulso automático, abriu a porta do carro do seu lado e, com as mãos na cabeça, correu para a calçada gritando o mais alto que podia:
-Sou inocente!... Sou inocente!... Que é isso, mano?!... Que é isso, mano?!
Liana, ainda mais veloz - e inacreditavelmente -, desvencilhou as nádegas dos encostos de cabeça do banco traseiro do “corsa”, pulou por cima de Leonardo, pisoteando e esmagando os pobres genitais do rapaz, e saltou (Pela janela da porta do motorista, minha gente!) para fora do veículo transportador de gente doida. Quanto a Léo... Pobre, maluquinho! Completamente estático, o alienado rapaz apontou o dedo indicador da mão direita e se pôs a contar com quantos policiais se faz uma barreira. Ele contou dez “PMs” abaixados e dez em pé, na retaguarda dos primeiros. E todos... TODOS, minha gente!, apontando fuzis para os nossos heróis “fora de foco”.
-Jesus, Maria, José, Buda e Maomé!... Que putaria é essa?!” – disse baixinho Leonardo para si mesmo. E tentava entender, dentro de suas concepções de mundo – ou pelo menos nas possibilidades infinitas de seu mundo –, que diabos estava acontecendo ali.
-Não, não é possível! – e o coração de Léo começou a disparar à medida que se pôs a imaginar coisas tenebrosas para explicar o que não conseguia entender:
-Será que tem um corpo de velhinha, ou o que sobrou dela, enroscado no parachoque do carro?! Será que tenho dupla personalidade e um dos meus “eus” é um gangster?! Ou um “serial killer”... ou... – e antes que pudesse listar mais uma dezena de possibilidades, sentiu a ponta do cano de um fuzil encostar no lado direito de sua cabeça. Uma voz ordenou:
-Não faça nenhum movimento brusco! Saia do carro com as mãos atrás da cabeça! Repito: não tente escapar! Você não sairá vivo daqui se tentar qualquer atitude desesperada.
Pobre, Leonardo! Com as mãos atracadas ao volante e o olhar congelado na direção da barreira de policiais, apenas balbuciou:
-Seu policial, eu posso ligar para a minha mãe?
O policial – na verdade o sargento do “cessar fogo!” –, quando ouviu as trêmulas palavras pronunciadas por Léo e percebeu que de sua face escorriam algumas lágrimas de medo, condoeu-se inexplicavelmente:
–Meu nome é Sargento Ulisses – apresentou-se calmamente o homem, ao mesmo tempo em que segurou a mão esquerda de Leonardo e disse com delicadeza:
-Venha, rapaz, eu te ajudo a sair do carro.
Liana, essa outra doida de pedra, dentro de um salto de sei lá quantos centímetros de feminilidade exagerada, andava de um lado para o outro da calçada e jogava a cabeleira loura para um lado e para o outro (um verdadeiro furacão da natureza inerente à mulher guerreira que cresce numa “comunidade” de cidade grande). E gritava:
-Que porra é essa?! Eu nasci e cresci no morro do tabajara, no meio de traficante e polícia invadindo e quebrando geral... Já levei susto com “presunto” caído bem na porta do meu barraco quando eu saia cedo pra trabalhar... É isso mesmo, vou morrer aqui, nesta merda de cidade?!
-Acalme-se, moça! – disse uma policial a alguns metros de Liana.
-Calma, o caralho! Tá me gastando, é? – retrucou a insana “funkeira” do bumbum tremelicante.
Laura, na calçada do outro lado da rua, em pé, com dois policiais fazendo o trabalho de “dar geral”, berrou:
-Cala a boca, peste dos infernos! Quer morrer, morra... Mas morra sozinha, caralho!
Liana, ao se dar conta de que a amiga estava sendo revistada por homens – e como Laura trajava calça “jeans”, camiseta, casaco do tipo “eu sou motoboy” e boné do time do “Corinthians” –, descontrolou-se ainda mais:
-Porra, caralho! Ela é mulher! Tá me ouvindo?! Mulherrr!!! Tu não pode por as mãos em cima dela, tá me entendendo?!
A essa altura, a barreira de policiais havia se dispersado completamente. Ulisses, o sargento, fez sinal para que os seus subordinados homens da lei voltassem aos seus postos. E fez isso com o dedo indicador direito girando ao redor da orelha direita.



CAPÍTULO V (ÚLTIMO)

E TUDO ACABOU EM “PIZZA”, OU MELHOR, EM
“VIDEOQUÊ


-Bem, agora que a situação está começando a tomar um rumo – disse calmamente o sargento Ulisses para o ainda confuso Leonardo – o senhor, por favor, acalme-se e saia do carro... Preciso fazer algumas perguntas para que também eu entenda o que está acontecendo.
-Seu Policial, o senhor vai me prender? – perguntou Léo com os olhos lacrimejados. –Eu não posso ser preso, tenho fobia só de pensar em ficar dentro de uma cela.
-Não, rapaz (engolindo uma gargalhada), você não está sendo preso... Na verdade, ainda não sei se é o caso... Precisamos conversar.
Leonardo lentamente desprendeu as mãos do volante do carro e, com pernas abobadas, saiu de dentro do veículo... Buscou amparo no capô do motor e entregou-se ao inquérito do homem da lei.
-Qual o seu nome, rapaz?
-Leonardo – respondeu gelidamente um dos “amigos fora de foco”.
-Você tem noção do perigo que você e suas amigas correram ao avançar a barreira para proteger a delegacia?
-Que barreira, seu sargento?!
-Aquela barreira – respondeu o homem apontando para uma sequência de cones.
-Mas no meio da barreira faltavam dois cones – retrucou Léo. -Calculei bem e conclui que o carro passava tranquilamente... Então avancei - tentou argumentar - Isso é motivo para que fôssemos metralhados, senhor policial?!
-Meu filho, estamos em guerra! – respondeu o sargento bastante irritado. -Você não lê jornais, não vê televisão, rádio?! O PCC já atacou várias bases militares no Estado de São Paulo... Seus aliados já mataram diversos companheiros nossos.
Leonardo, boquiaberto, cruzou os braços, olhou seriamente para o policial e inquiriu taciturno:
-O que vocês fizeram para eles, seu Ulisses?
-Você só pode ser louco, não é possível... O PCC é uma Organização criminosa muito poderosa e extremamente violenta... São bandidos, entendeu?! Bandidos!!!
-Hum... – fez Léo. –Eu só conheço o CVV... De PCC eu nunca ouvi falar, não senhor.
-O que é exatamente CVV? – perguntou o sargento. –Nunca ouvi falar dessa Organização.
-Não, sargento, não é uma quadrilha de bandidos – respondeu prontamente o rapaz, e explicou: -CVV é uma ONG... Significa “Centro de Valorização da Vida” – e emendou: -Quando eu fico deprimido, ligo lá para desabafar e... – antes que continuasse com a explicação, o sargento arrancou o quepe da cabeça e lançou-o furiosamente ao chão e, com os olhos ardendo de raiva, também ele entrou em estado de histeria.
-Puta que o pariu!!! Hoje era pra ser minha folga... Merda de vida! Essa porra de PCC está fodendo o meu dia, hoje.
Leonardo olhou para Láu e Lia e, juntos, os três deram de ombro, como se exclamassem: “Que sujeito mais esquisito, este sargento!”
Ulisses, então, contou até três, respirou fundo e recuperou a postura de homem da lei... E mais um diálogo desconexo ganhou vida, ou melhor, palavras:
-Eu preciso dos seus documentos... Carteira de motorista e documento do veículo – recomeçou o Sargento.
Leonardo retirou o documento de habilitação de sua e carteira e entregou-o a Ulisses.
-E o documento do veículo, senhor... – o policial fez uma pausa e conferiu o nome de Léo na carteira de motorista e, espantado, perguntou: -Albuquerque?! Você é da Família Albuquerque?!
-Sim! – respondeu Léo engolindo uma gota de saliva cravejada de gotículas de cimento. E disparou: -Já vou logo avisando, se tem algum “Albuquerque” mafioso à solta por aí, eu não tenho nada a ver com isso e... – e antes que disparasse mais uma tonelada de sandices, Ulisses o conteve:
-Meu deus, rapaz! Como você fala, hein?! Parece uma metralhadora atirando palavras para todos os lados – e, coçando o queixo, perguntou a Léo:
-Você é parente do General Gaudêncio Albuquerque?
Leonardo – muito esperto –, mesmo sem saber quem era o tal do general, percebeu que a sorte se voltava para ele e, imbuído de uma oportuna confiança, respondeu ao sargento com a maior naturalidade e intimidade (e cara-de-pau):
-Ó, é titio Gáu...
-E por que não disse logo, rapaz?!
-Não, Ulisses (já íntimo do sargento), eu não gosto de incomodar titio Gau... Ele é um homem muito ocupado devido à sua posição militar e... – e novamente interrompido por Sargento Ulisses:
-General Gaudêncio está morto, rapaz... MORTO!... Entendeu?!
Leonardo, mais branco que cera de vela para defunto, arregalou os olhos e, levando às mãos à cabeça, pôs-se a lamentar-se com toda a verdade que lhe cabe dizer em vida (Láu e Lia diriam, num bom ‘carioquês’, ‘caô’):
-Nãooo! Meu deus! Pobre, tio Gáu... Morto?! Quando foi isso, sargento Ulisses?! (devolvendo a patente de sargento a Ulisses novamente).
-Você é louco ou está zombando comigo, rapaz?!
-Nem uma coisa nem outra, seu Ulisses.
-Sargento – corrigiu o policial.
-Claro, desculpa... Tudo tem uma explicação, seu sargento Ulisses... – e deitou falação: -Eu morei muito tempo no Paraná... Me mudei para cá, Sumaré, tem quase três anos (meia verdade)... Minha família praticamente perdeu o contato com tio Gaudêncio...
-Sei, sei... – fez desconfiadamente o policial. –Esquece o Senhor Gaudêncio... Quero o documento do veículo!
-Não sei onde está o documento, seu-senhor-sargento Ulisses... – respondeu Leonardo em desespero.
-Como não sabe? Este carro – com a mão esquerda espalmada no capô dianteiro – não é do senhor?!
-Não, senhor! É do meu sobrinho.
-Neste caso, ligue imediatamente para o seu sobrinho e peça para ele trazer o documento, agora! – esbravejou o policial já muito irritado.
Leonardo olhou as horas - eram exatamente 23:20h – e informou ao policial:
-A estas horas, senhor Ulisses? Não posso, ele está dormindo.
-Pois então trate de acordá-lo, senhor Leonardo Albuquerque.
-Mas ele deve ter acabado de ‘mamar’, senhor sargento... Minha irmã, Lucélia, vai brigar comigo.
-MAMAR?! Explica isso direito, pelo amor de deus! Estou perdendo a paciência com você, mocinho!
(hum, parece que o sargento está prestes a levar todo mundo para o xilindró)
-Ele é um bebê, sargento... Tem apenas um ano e cinco meses... O carro está no nome dele porque foi o pai dele... – e novamente Leonardo é interrompido por Ulisses, o sargento.
-Chega!!! Ou esse documento aparece aqui na palma da minha mão (apontando com a mão direita a mão esquerda) em dez minutos ou vai todo mundo para o manicômio... E o carro vai para o pátio (local onde são guardados os automóveis apreendidos).
-Eu... – tentou falar Léo...
-Não!!! Nem pense nisso... Você, rapaz, não sai daqui... Só libero uma das moças para buscar o documento... O senhor fica aqui comigo... QUIETO! Entendeu?!
-Sim, senhor! – respondeu Leonardo engolindo o que nem havia mais para engolir.
Laura, que já havia visitado Léo uma primeira vez, encarregou-se da empreitada. Liana, completamente histérica, tagarelava coisas incompreensíveis para um dos policiais da "barreira humana" que apontou vários fuzis para Leonardo. E mesmo que Lia estivesse completamente calma, ela não fazia a menor ideia de onde estava. 
-E quanto a vocês dois – disse o sargento austeramente para Léo e Lia -, sosseguem num canto e não me deem mais trabalho.
Os dois amigos entreolharam-se e balançaram afirmativamente a cabeça ao mesmo tempo.
Enquanto Ulisses sumiu por um corredor comprido da delegacia, Liana e Leonardo foram chamados pelo escrivão para a conferência do relatório que precisava ser assinado e enviado para o DETRAN (Departamento de Trânsito).
-Senhor Leonardo, tem de constar a sua assinatura no relatório, já que era você o condutor do veículo – disse o escrivão estendendo um calhamaço de papeis para Léo.
-Sim, senhor! – aceitou Leonardo sem pestanejar.
Enquanto Léo fazia a leitura do relatório, Liana olhou para o amigo e disse:
-Amigo... ‘Olha só’, eu estava aqui pensando... Se esse tal de PCC está ‘botando terror’ na ‘poliçada’, acho melhor a gente sair daqui... Vamos ficar bem longe deles...
-Hum... Sabe que você tem toda a razão, Lia! – concordou Leonardo. E quando os dois estavam saindo ‘à francesa’, o escrivão soltou um berro ensurdecedor e agudo:
-VOLTEM, AQUI, AGORA!!!
Petrificados, Léo e Lia voltaram rapidamente para o cantinho onde estava o escrivão e grudaram as costas contra uma parede toda revestida de tijolinhos envernizados.
-Credo, amigo... Essa ‘poliçada’ da sua cidade é toda surtada... – cochichou Liana para Leonardo.
-A senhorita disse algo? – perguntou o escrivão.
-Não, senhor – respondeu rapidamente Léo no lugar de Liana. -Ela só estava me dizendo que a decoração da delegacia é muito chique.

O escrivão meneou a cabeça negativamente – na verdade, em pensamento, ele dizia para si mesmo: “De que hospício saíram essas figuras?”
-Senhor Leonardo, se o senhor já tiver terminado de ler o relatório, assine todas as folhas e me entregue, por favor – disse agora mais calmo o homem.
-Na verdade, seu escrivão, tem uns erros de português no texto que podem me comprometer seriamente – advertiu Leonardo meio ressabiado.
-Não importam os erros de português, seu moço! Assine logo esses papeis – retrucou o escrivão.
-O senhor, por favor, pode me arranjar uma folha de papel em branco? – pediu Léo.
O escrivão, desinteressadamente, entregou o que Leonardo pedira. Depois de escrever uma frase no papel, entregou-o ao homem e disse: -Leia a frase que eu escrevi, por favor.
“Se o rei o condenou, eu não o perdoo” – leu em voz alta o escrivão.
-Faça de conta, seu escrivão, que essa frase é uma mensagem que um rei está enviando para um carrasco executar um condenado através de seu mensageiro. Faça de conta, também, que o senhor é o mensageiro... E que o condenado é o seu melhor amigo. Com uma única vírgula, o senhor pode salvá-lo, sabia?
-Hum – fez o escrivão. –E onde é que eu ponho a vírgula? – perguntou para Léo.
-Depois da palavra “não” – respondeu Leonardo. E pediu para que o escrivão lesse novamente a frase. E assim o fez o escrivão:
“Se o rei o condenou, eu não, o perdoo.”
-Entendeu, agora, o que eu quis dizer? – disse Leonardo com o nariz todo empinado.
O escrivão ficou todo interessado na questão das “vírgulas” e se pôs a rir. Na sequência, chamou um colega que estava do outro lado da sala e disse: -Venha ver, Antônio, que interessante! – e repetiu tudo o que Leonardo fizera anteriormente com ele. E a história do salvamento do condenado, em pouco tempo, tomou conta da delegacia.
-Posso corrigir o texto, então, seu escrivão? – quis saber Leonardo.
-Claro, por favor! Não quero que o senhor seja condenado à prisão perpétua por conta de uma vírgula - respondeu o homem com o semblante todo irônico.
-E não é qualquer vírgula – complementou Liana.
Uns dez minutos depois, Laura chegou com o bendito documento do ‘corsa’ e o entregou a um policial, e este foi rapidamente entregá-lo ao sargento Ulisses.
Papeis assinados, vírgulas nos lugares certos, documento do carro em ordem... E tudo voltou à normalidade... Pelo menos para a corporação da delegacia.

00:30h – já era domingo:

O três "AMIGOS FORA DE FOCO” tomaram posse novamente do veículo e seguiram para o “videoquê” localizado no final da Avenida Rebouças, a mesma avenida onde quase foram fuzilados por vinte policiais.

8:00h:

(Turn around...) – no rádio do carro.
“Bright eyes...” – Láu aos berros.
(Turn around…) – no rádio do carro.
“Bright eyes...” – Léo aos berros.
(Turn around) – no rádio do carro.
“Every now and then / I know you’ll never be the boy / You always wanted to beeeeee”… – Láu, Léo e Lia aos berros (sobrepondo Bonnie Tyler).

A manhã estava de um céu incrivelmente azul. O sol resplandecia nos rostos –embebidos de sono – dos três amigos. Eles cantarolavam com os corações alegres, comemoravam o fato de simplesmente estarem vivos, de serem amigos e, também, por serem ridiculamente felizes. Fizeram, por precaução, um caminho diferente na volta para casa. Não quiseram correr o risco de esperarem mais tempo para desmaiarem de felicidade em suas camas.
Depois de uma incrível aventura policial e uma agitada noitada num “videoquê”, nossos heróis “sem noção” merecem a serenidade e a calma do bom e velho sono.

“A felicidade, muitas vezes, esconde-se no ridículo que habita em nós. Infelizmente, imbuída de tantas regras, etiquetas e salamaleques, a maioria das pessoas passa a vida disfarçando a FELICIDADE.”


FIM



ÉD BRAMBILLA. AMIGOS FORA DE FOCO. MINI-ROMANCE. 2015.

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