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domingo, 3 de fevereiro de 2013

POR AMOR A CLARICE LISPECTOR

Entender Clarice? Não, é pouco. Clarice é de se sentir. É de entregar-se à ela, e por ela, sem reservas. E receber de volta quase tudo de si e de si mesmo: a troca que é feita por pura reciprocidade de amor. Sim, quase tudo! Porque no quase estão nossas reservas, o secreto que habita dentro de cada um. Há que se respeitar esta pequena fração, a folha de parreira que nos foi dada como guardiã do nosso melhor, que, indubitavelmente, é o próprio sopro de vida, para que a alma não esteja de toda desnuda. Meu amor por Clarice, por vezes, é horizontal e geométrico. É quando disponho todas as suas obras – coisa concreta - uma ao lado da outra, e obtenho um grande quadrado. Então me sento a certa distância deste meu tabuleiro de grandes segredos escondidos por trás de capas, e contemplo o horizonte de tons sobre tons, de pontos de interrogação e de exclamação, e de morte e vida, que se pedem e se completam. Meu semblante, respeitosamente emudecido, cai em pura prece; e as lágrimas, em minha face tomada pela resignação, escorrem em pequeno e lento riacho, e despeja em seu fino leito memórias do que se foi. Então aceito! E compreendo: a vida se faz agora, neste instante; o que aconteceu antes da última respiração já não tem a menor importância, é matéria morta. E compreendo mais além: viver é para cada um, é uma responsabilidade solitária; o que está fora da carne - o que é palpável - não alcança a alma, apenas o sentimento é absorvido. E descubro: preciso amar para ganhar amor; preciso ser generoso para ganhar generosidade. É tudo tão óbvio. É preciso sentir, e trocar, e absorver. Só assim se ganha o direito à plenitude; só assim o que é humano em mim se glorifica, porque já não terei mais medo da solidão; porque compreender a mim mesmo é a missão que me foi legada. E concluo: agora posso dar amor, generosidade, bondade, porque descobri a fonte. E descobri também a forma de fazê-la abundante em mim. Minha fonte voltou a jorrar, e agora me dei conta de tudo que ainda há por fazer. Só me dei conta porque a fonte se revitalizou. E de repente volta-me a consciência do tabuleiro lispectoriano. Abro os olhos e fixo-os em direção ao centro do quadrado. E questiono: então é assim que se dá o sentimento de aleluia, oh, Mestra Clarice? E respondo-me: sim, é assim mesmo. E alerto: o sentimento de aleluia é único para cada um; um jamais será igual ao outro. Então me liberto: Aleluia, Clarice! Aleluia! Também poderia ser Haia, Clarice! Haia!


Éd Brambilla. Crônica. POR AMOR A CLARICE LISPECTOR. 03/02/2013.

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