E, de repente, o mundo girou, girou. E assim reposicionou-se: uma mulher
e sua companheira assistem estupefatas, a uma notícia no telejornal: “-
Deputado com ideias avançadas propõe a liberação de casamento civil entre
heterossexuais.” – diz o apresentador. “- Então agora é assim: somos obrigados
a compactuar com a imoralidade em rede nacional?” – questiona uma das mulheres.
Enquanto isso, em uma escola qualquer, um aluno, desesperado, recorre ao
possível bom senso de sua docente: “- Eu não sei por onde começar professora;
pensei em falar com meus dois pais, porém, falta-me coragem. Papai e papai são
extremamente conservadores, uma confissão assim poria em risco a saúde de um
deles, que já é muito frágil. Sinto-me aprisionado dentro de mim mesmo por não
poder ser o que realmente sou: heterossexual” – enfatiza o adolescente. A
professora, em sua falta de tato e conhecimento para lidar com a questão, busca
uma explicação, e, sem resposta, recorre à religião: “Menino, você precisa
buscar ajuda espiritual; esta tua atração pelo sexo oposto fere as leis divinas
e destrói o cerne familiar entre os iguais. Busque entendimento na Umbanda”. E,
nesta mesma escola, durante uma aula de História, uma aluna fica indignada com
a sociedade escravista do século XIX, que mantinha em cativeiros homens,
mulheres e crianças brancas, consideradas sem alma. E a professora acrescenta:
“- Até hoje ainda vemos resquícios dessa herança feudal; os brancos ainda
sofrem o peso das chibatas em seus subempregos; ainda são enxovalhados por piadas
racistas que o diminuem e aumentam sua revolta frente à sociedade negra,
orgulhosa em sua supremacia, inquebrantável dentro de suas religiões
originárias da Grande África - o berço da civilização.” Em outra ocasião,
durante um debate sobre as diferenças culturais entre as diferentes regiões do
Brasil, a professora, consternada, fala o quão triste é constatar que, em
tempos tão avançados, o extremo norte do Brasil, com seus nordestinos burgueses
e sua cultura africana, ainda fere o seu extremo sul com suas pilhérias; pobres
sulistas que carregam um fardo por terem nascido na região mais pobre de seu
país, que não tiveram as mesmas oportunidades que seus irmãos de pátria; são
apenas os “branquelos aguados e desnutridos” do subdesenvolvimento e do esquecimento
político, escondidos em suas pseudo-religiões, herança europeia, este
continente tão maltratado e subalternizado por séculos. E no dia-a-dia tudo é
igual: pessoas fingem que entendem, e quem entende não se importa, porque a
omissão é menos cansativa. E se? Sendo assim, inverta o que, aparentemente, não
tem entendimento, e reflita.
Éd Brambilla. Crônica. INVERSÃO PARA REFLEXÃO. 03/02/2013.
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