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quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

ENTREVISTA DE ANNA SHARP SOBRE 'UM CURSO EM MILAGRES'




07/02/06 - Entrevista de ANNA SHARP à revista Cláudia - Junho/06

A carioca Anna Sharp, 64 anos, dona de uma energia de dar inveja, viveu uma revolução pessoal há 26 anos, quando tudo à sua volta faliu: a empresa, o casamento e a relação com os filhos adolescentes. Nessa época, questionou suas buscas espirituais e entrou na faculdade de física da Universidade Federal do Rio de Janeiro tentando entender o mundo e a si mesma. Não chegou a terminar o curso, mas, numa aula de revisão, em que a matéria foi apresentada de uma tacada só, teve o insight decisivo. "Foi como uma explosão em minha cabeça. Os princípios científicos, aparentemente desconexos, formaram um quadro perfeito e compreendi tudo. Naquele momento, não apenas encontrei Deus como vislumbrei que somos deuses da própria vida, co-criadores atuando junto com Ele". O pulo-do-gato ocorreu quando a terapeuta conseguiu traçar um paralelo entre a ciência e a espiritualidade. "Na física, cada sub-partícula da matéria contém todo o universo. Então, concluí que cada criatura contém dentro de si o Criador: ou seja, somos todos sub-partículas divinas". Pouco tempo depois, ela ganhou o livro 'Um Curso em Milagres', dos americanos Helen Schueman e William Thetford. Na sua opinião, o conteúdo reafirmava as teorias quânticas, só que numa linguagem cristã. À luz das novas descobertas, Anna refez sua vida e foi uma das pioneiras na realização de workshops sobre a obra (existem grupos de estudo no Brasil e no mundo). Há mais de duas décadas, promove encontros semanais gratuitos para divulgar os ensinamentos. Durante esses anos, investiu na formação de terapeuta, transformou-se em consultora, escreveu diversas obras de auto-ajuda. Porém, nunca abandonou seu livro de cabeceira - nem a sensação de que os milagres não param de acontecer.

CLÁUDIA: Afinal, o que é o Milagre ?

ANNA: Um instrumento capaz de ensinar que dar é tão bom quanto receber. Ele age como catalisador, alterando a nossa percepção, gerando outros hábitos e maior disposição para amar.

CLÁUDIA: ... E é Deus quem faz ?
ANNA: Não, nós mesmos fazemos, pois somos parte da divindade.
Quando finalmente nos damos conta disso, chegamos à concepção da unidade e comungamos com o todo. Experimentar essa consciência opera mudanças surpreendentes na vida.

CLÁUDIA: Como é possível alcançar esse patamar ?

ANNA: Abrindo mão do medo e tentando viver amorosamente. O livro 'Um Curso em Milagres' facilita a tarefa com uma série de reflexões e exercícios. São 365 pensamentos, um para cada dia do ano. Com eles, percebemos que julgar as atitudes alheias é loucura: que a idéia de que somos separados uns dos outros é ilusão. Descobrimos ainda a função curativa do ato de perdoar - tanto a quem nos fere quanto a nós mesmos.

CLÁUDIA: Quais são os pressupostos principais do curso ?

ANNA: O fato de que nossas crenças são armadilhas e que, por decorrência, olhamos tudo com lentes muito distorcidas. Somos programados para construir valores de acordo com as impressões que recebemos ao longo de nossa trajetória - elas ficam gravadas no inconsciente e desvirtuam a realidade. Essa maneira de interpretar o mundo não afeta somente nossas opiniões. Ela atinge também as emoções e até as reações químicas do organismo. Para desmontar a cilada, precisamos abrir mão de muitas "verdades", que dão origem a grandes sofrimentos e frustrações.

CLÁUDIA: Esse livro gerou inúmeros sites e grupos de estudo. Em que condições ele foi escrito e por que toca tanta gente ?

ANNA: A obra foi "ouvida" por uma psicóloga americana, Helen Schueman, da Universidade de Columbia. Ela começou a escutar uma voz que lhe ditava o texto. Pensou que estava maluca, mas, como o conteúdo lhe parecia maravilhoso, seguiu em frente. Seu colega de Cátedra, William Thetford, colaborou na organização dos escritos, e a primeira edição saiu em 1975. Logo em seguida, ela morreu e foi criada a Fundação para a Paz Interior, que traduz e divulga a obra.

CLÁUDIA: De quem era a voz que ela escutava ?
ANNA: A pessoa se intitulava Jesus. Embora não se possa comprovar a origem dos ensinamentos, o fato é que são preciosos. Mostram, em detalhes, como desprogramar a mente - condição inicial para as transformações. Como dizia Einstein: ‘o mundo exterior é reflexo do interior’. O que se muda por dentro repercute fora. Por exemplo: quando paro de julgar e me aceito como sou - em vez de ficar preocupada com o que "deveria ser" -, passo a aceitar também os outros, e consigo agir de maneira mais relaxada e amorosa.

CLÁUDIA: Como funcionam os exercícios do livro ?

ANNA: Atuam no sentido de alterar a percepção. O primeiro deles diz: "Nada do que eu vejo neste lugar significa coisa alguma". Aprendemos assim que somos nós que damos significado às coisas. Portanto, podemos eliminar, trocar ou acrescentar interpretações.

CLÁUDIA: A física quântica é citada por muita gente da área esotérica. Como lidar com conceitos tão abstratos no dia-a-dia ?

ANNA: Comecei a falar de física aplicada ao autoconhecimento em 1980, fui chamada de louca. Hoje, essa referência tornou-se totalmente banal. Inicio os meus seminários com uma aula de física, explicando que o que vemos não é a natureza do objeto, e sim a natureza do observador. O cérebro não reconhece a diferença entre o que vê e o que já está registrado nele - os valores, a memória e o repertório pessoal são os responsáveis pela nossa percepção. Ou seja, aquilo que nos acostumamos a chamar de "verdade" não passa de projeções de idéias enraizadas. Resumindo: é preciso crer para ver. A ciência provou que só temos capacidade para enxergar aquilo que conhecemos ou acreditamos ser viável. Logo, só se recicla mesmo quem se liberta desses conceitos pré-estabelecidos. Aí é possível conceber rumos diferentes, até então invisíveis.

CLÁUDIA: Você passou por maus bocados antes de virar consultora ...
ANNA: Sim, costumo dizer que saltei do inferno para o paraíso graças à conjunção de dois cursos: o de física e o de milagres. Depois de ficarmos mais de um ano separados, meu marido e eu reatamos e estamos bem até hoje. Harmonizei a relação com os meus filhos, que estava tensa no período de minha crise, e consegui quitar todas as dívidas da minha confecção, que faliu. Acabei dando uma guinada profissional, porque alguns amigos começaram a marcar hora comigo. Queriam saber como as aulas de física, que eu tanto comentava em reuniões sociais, poderiam ajudá-los também. Resolvi estudar técnicas alternativas (ela fez cursos de programação neurolinguística, terapia primal e gestalt nos Estados Unidos), tornei-me consultora e escrevi oito livros. O último - 'Quem não trai ?' - foi lançado em 2005. Passaram-se 26 anos e continuo muito satisfeita com todos os problemas de uma mulher que tem marido, quatro filhos, quatro netas e os obstáculos naturais do cotidiano.

CLÁUDIA: Quais as condições necessárias para ser feliz ?

ANNA: Atenção, esforço e responsabilidade. Fique atento ao que você está criando a cada momento e assuma plenamente suas opções. Nâo ponha a culpa de suas frustrações em ninguém. Mas cuidado: existem muitas escolhas inconscientes e a maior parte do tempo é você mesmo quem se pune e se castiga - é a famosa auto-sabotagem.

CLÁUDIA: Como manter o espírito elevado em meio a tantos problemas ?

ANNA: As dificuldades continuarão existindo, o que muda é o modo de reagir a elas. Se considerar que a vida é horrível e seu papel o de vítima, assim será. Voltemos à lição número 1: é você quem dá significado aos acontecimentos. Além disso, as coisas são como são, não como deveriam ser. Aceitar as circunstâncias e perdoar nossa eventual ignorância para lidar com elas é o primeiro passo para avançar, encarando com coragem o que vier pela frente.

CLÁUDIA: Pessoas de todas as classes a procuram. Quais costumam ser as queixas mais freqüentes ?
ANNA: A solidão, o sentimento de carência e de vazio, que levam a pessoa a imaginar que, se tivesse um parceiro, uma casa e um carro, seria feliz. Isso é mentira. A felicidade é um estado interior e não o resultado das conquistas externas, porém, esse equívoco é continuamente reforçado pelo nosso sistema. O principal é buscar um encontro consigo mesmo, pois esse é o encontro com Deus - seja qual for o nome que se dê a Ele. Não é necessário acreditar em qualquer entidade religiosa para desfrutar de um milagre, já que ele é um fenômeno de conexão com as forças do universo.

CLÁUDIA: O misticismo nunca esteve tão em alta, o que nos motiva a procurar um sentido sagrado para a vida ?

ANNA: A insatisfação e o medo. Por isso, é importante reconhecer esses sentimentos quando eles surgem na vida. São os disparadores das buscas pessoais, que podem ocorrer por meio de estudos, meditação, religião, terapia ... Por outro lado, a mania de julgamento prejudica a jornada, porque ela é o oposto à compreensão. Em 1992, tive a oportunidade de conversar com o Dalai Lama, numa de suas visitas ao Brasil. Nunca esqueci o que ele me disse: "Eu, você e o pior dos criminosos estamos procurando a mesma coisa: a felicidade. Cada um segue pelo caminho que conhece". Como se vê, não existe rota ideal. Quando nos abrimos para viver da melhor maneira, com o maior amor possível, paramos de julgar e somos inundados por sentimentos de plenitude e gratidão. Aí compreendemos a dádiva: estamos aqui, estamos vivos, esse é o milagre.

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